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As evidências são mais que palpáveis: pesquisas que comparam testes de QI ao longo das últimas décadas apontam que as novas gerações são menos inteligentes que as anteriores. O Quociente de Inteligência (QI) é um índice padronizado que mede habilidades cognitivas em relação à média da população.
Estudos publicados em 2015 foram confirmados recentemente, explicando que a forma do ambiente moderno condicionar o funcionamento do cérebro tem causado um decréscimo nos níveis de inteligência. A queda nos índices do QI é atribuída ao uso excessivo de telas e a precariedade da educação básica.
No estudo publicado em 2015, (One Century of Global IQ Gains: A Formal Meta-Analysis of the Flynn Effect), foram ouvidas 4 milhões de pessoas. O trabalho comparou indicadores de 31 países. Os pesquisadores Jakob Pietschnig e Martin Voracek, da Universidade de Viena, reuniram testes de QI realizados em 1909 e 2013.
Nos dados apurados no Brasil foi registrada uma queda de 0,04 pontos de QI por ano entre 1987 e 2005, em crianças de Porto Alegre (RS). Em um comparativo de 1930 com 2004 entre crianças de Belo Horizonte (MG) houve apontamento de uma queda de 0,12 pontos de QI por ano, no período. Os resultados sugerem uma possível reversão, no país, do chamado Efeito Flynn, que consiste no aumento das pontuações de testes de inteligência observado em várias partes do mundo ao longo do século XX.
A queda anual verificada em Porto Alegre e em Belo Horizonte pode parecer pequena, mas representa uma perda cumulativa significativa ao longo de uma ou duas gerações. O resultrado é considerado "gravíssimo como uma tendência futura” pela PhD em Educação Olzeni Ribeiro. A especialista aponta que a regressão pode ser indicativo dos seguintes fatores:
- aumento da desigualdade social
- degradação da qualidade do ensino básico
- sobrecarga dos sistemas de saúde e educação
- subnutrição infantil
- desvalorização da cultura científica e leitura.
Queda no QI do brasileiro afeta futuro do país em inovação, produtividade e coesão social
Na análise da professora, a queda no QI do brasileiro pode apontar para um empobrecimento simbólico e cultural do cotidiano das crianças. "A parte mais cruel e assustadora é do ponto de vista educacional e psicológico, já que essa tendência indica que há uma parcela crescente de crianças que pode estar perdendo oportunidades de desenvolver plenamente seu potencial intelectual, o que afeta o futuro do país em inovação, produtividade e coesão social”, afirma ela.
Há um ponto relevante nessa análise: especialistas em educação apontam o perigo de confundir a queda dos índices do QI com a capacidade intelectual da espécie humana. Nesse raciocínio, o que está mudando são os estímulos ambientais, a qualidade da educação, o tempo de exposição a desafios cognitivos, a forma como brincamos ou resolvemos problemas.
“Não é a inteligência como um todo que está reduzindo, é sim um reflexo de condições menos favoráveis ao desenvolvimento de certas habilidades cognitivas específicas. De forma bem genérica, a inteligência fluida é aquela que atua no aprendizado cotidiano, a capacidade de aprender coisas novas sem ser formalmente ensinados”, detalha a PhD em Educação.
Procurada pela reportagem da Gazeta do Povo, a Secretaria da Educação de Belo Horizonte informou que tem direcionado esforços para implementar práticas pedagógicas lúdicas e inovadoras que estimulem a reflexão, a criatividade e o pensamento crítico desde os primeiros anos da educação. A pasta reitera que o índice de QI (focado na cognição) não pode ser encarado como indicador primordial ou único para explicar e apontar os desafios colocados na busca de um ambiente escolar saudável e dinamizador da aprendizagem.
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Especialista em QI defende "mais prática e menos decoreba"
Especialista em neurociência, genômica e inteligência, Fabiano de Abreu Agrela pontua que o ambiente escolar contribui para a queda nos índices do QI. Ao estimular tarefas reprodutivas e não reflexivas, o raciocínio abstrato, a memória operacional e a fluência verbal ficariam comprometidos, de acordo com ele.
“É necessário mais prática e menos decoreba. A escola tem sido superada pelo consumo digital não direcionado, que inibe o foco atencional, fragmenta a cognição e reduz a capacidade de retenção de informações significativas”, afirma o especialista, membro da Triple Nine Society (TNS), associação de pessoas de alto QI, mencionando conteúdos ancorados em problemas reais das comunidades, como os ambientais, históricos, tecnológicos ou sociais.
Outros fatores também influenciam. “Estresse, insegurança alimentar, violência e falta de afeto podem comprometer o desenvolvimento pré-frontal, afetando a memória de trabalho e o controle inibitório, que são componentes cruciais do raciocínio lógico”, aponta o neurocientista.
A escola tem sido superada pelo consumo digital não direcionado, que inibe o foco atencional, fragmenta a cognição e reduz a capacidade de retenção de informações significativas.
Fabiano de Abreu Agrela, membro da Triple Nine Society, associação de pessoas de alto QI.
Mudanças no uso do cérebro têm gerado como consequência direta a diminuição da inteligência operacional e da capacidade de resolver problemas com profundidade. “O genótipo condiciona a sensibilidade ao ambiente, ou seja, indivíduos com predisposição para alta capacidade cognitiva dependem de estímulos compatíveis para expressar esse potencial”, afirma o professor.
Estímulos constantes de baixa complexidade, como vídeos curtos, notificações e conteúdos superficiais, reduzem a ativação das áreas cerebrais, responsáveis pelo raciocínio lógico, memória e atenção sustentada. “O cérebro se adapta ao que recebe com frequência. Quando exposto por longos períodos a estímulos que não exigem esforço cognitivo, ele tende a fortalecer circuitos mais automáticos e imediatistas. Ao mesmo tempo, áreas ligadas à reflexão, planejamento e pensamento crítico perdem eficiência funcional”, explica o especialista.
A inteligência, com análise através do QI, é determinada por fatores genéticos, com hereditariedade estimada entre 60% e 80%, especialmente em adultos. O ambiente influencia esse traço entre 20% e 40%, mas essa influência não opera de forma independente.
“Regiões como o córtex pré-frontal dorsolateral, o córtex parietal superior e o giro cingulado anterior, necessárias à resolução simbólica e ao controle executivo, tornam-se menos acessíveis funcionalmente por inibição comportamental, baixa ativação basal e desuso crônico”, detalha o professor.
Telas em excesso podem causar danos
Em setembro de 2021, o neurocientista francês Michel Desmurget, diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Saúde da França lançou o livro “A fábrica de cretinos digitais”, publicação que causou comoção no meio pedagógico e dos estudos neurais. Com a apresentação de dados, Desmurget apontou como os dispositivos digitais estão afetando severamente e negativamente o desenvolvimento neural de crianças e jovens.
O professor de Psicologia da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Integrante da Comissão de Avaliação Psicológica do Conselho Federal de Psicologia, Rauni Roama Alves, explica que não há um consenso em até que ponto o acesso às telas pode influenciar a determinação da inteligência, barrando as variáveis que são genéticas. “Algumas pesquisas apontam resultados negativos, por isso, a Organização Mundial de Saúde (OMS) propõe que crianças de até dois anos não façam uso de telas. Depois, é indicado que haja um acesso limitado e só a partir dos 12 anos seja proposto o uso regular”, afirma.
Estímulos constantes como vídeos curtos e notificações reduzem a ativação das áreas cerebrais, responsáveis pelo raciocínio lógico, memória e atenção sustentada.
O pesquisador da UFMT pondera o uso das telas quando a utilização é no âmbito educativo. “O resultado é interessante, pode estimular a atenção. Claro que é um acesso controlado, direcionado. Mas a tecnologia pode ajudar, até mesmo com a inclusão, para crianças que precisam para mediação da linguagem. Mesmo para crianças com altas habilidades a tela é necessária para inclusão”, aponta Alves.
Em janeiro deste ano, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome lançou a cartilha “Crianças, Adolescentes e Telas: Guia sobre Usos de Dispositivos Digitais” para nortear o uso saudável das telas, além de apresentar práticas que podem reduzir os riscos associados ao tempo excessivo diante dos dispositivos. O documento expõe os riscos para as crianças, como a qualidade de sono, a autorregulação emocional e a ansiedade. Um dos perigos expostos está no desenvolvimento físico, citando o perigo do sedentarismo.
O portal Teste Internacional de QI, inspirado nas Matrizes de Raven, desenvolvidas pelo psicólogo John Carlyle Raven em 1936, apresenta dados atualizados em janeiro de 2025, a partir de dados de 1.352.763 pessoas em todo o mundo, que realizaram o mesmo teste em 2024. Ao todo, 126 países foram representados.
A China lidera a pesquisa, com uma média de 107,19 pontos. A Coreia do Sul segue em segundo lugar, com 106,43 pontos. O Japão está na terceira posição, com 106,4 pontos. O Brasil ocupa a posição 101, com 92,92 pontos.
Em contrapartida, pesquisas sobre o QI dos brasileiros apontam que o país possui 2,6 mil pessoas superinteligentes de todas as idades - destas, 534 são crianças e adolescentes. No estado de São Paulo, por exemplo, são 199 crianças com alto QI. Rio de Janeiro é o estado que aparece na sequência, com 64 crianças.
Minas Gerais, então, vem em terceiro, com 59. Já o estado do Rio Grande do Sul, citado na pesquisa de 2017 com um decréscimo, contabiliza 18 crianças com superinteligência e ocupa o sétimo lugar na lista da Mensa Brasil, associação que reúne pessoas com altas capacidades intelectuais e que representa um braço da organização de mesmo nome internacional, principal organização de alto quociente de inteligência do mundo.






