Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Jacob Mchangama

Referência mundial em liberdade de expressão alerta sobre riscos no Brasil 

O advogado dinamarquês Jacob Mchangama esteve no Brasil para lançar seu livro sobre liberdade de expressão.
O advogado dinamarquês Jacob Mchangama esteve no Brasil para lançar seu livro sobre liberdade de expressão. (Foto: John Russell/Universidade Vanderbilt)

Ouça este conteúdo

O dinamarquês Jacob Mchangama, considerado uma referência global na defesa da liberdade de expressão e autor da obra "Liberdade de expressão: de Sócrates às mídias sociais", estará no Brasil na próxima semana para uma masterclass sobre o tema.

Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, o criador do projeto The Future of Free Speech na Universidade Vanderbilt (EUA), lança um alerta contundente sobre o Brasil. Ele aponta o país como um exemplo notório da "recessão global da liberdade de expressão", fenômeno que atinge até democracias consolidadas.

Democracias sempre foram baseadas na ideia de que não há autoridade última sobre a verdade.

Jacob Mchangama

Baseando-se nos abrangentes dados do V-Dem (Variedades da Democracia), um projeto global de medição da democracia, Mchangama revela um ponto crucial: nos países onde a democracia enfraquece, a liberdade de expressão é o primeiro alvo. É um sinal claro, segundo ele, de que esse direito não é apenas importante, mas o mais essencial em uma democracia.

Mchangama explica que, "sem ela, a democracia é essencialmente sem sentido. É a guardiã de todos os outros direitos." Para entender como isso é medido, o V-Dem aprofunda-se em dezenas de países, avaliando desde eleições livres e liberdade de imprensa até a expressão acadêmica e a diversidade de informações, com uma metodologia robusta que desvenda camadas de censura e de autocensura.

O especialista também baseia seu trabalho nos dados da Freedom House, organização que, em seu relatório mais recente, classificou o Brasil como “país livre”, com altos níveis de direitos políticos e liberdades civis. Mesmo com esse resultado positivo, ele menciona a preocupante tendência global de democracias restringirem liberdades em nome da ordem ou da segurança.

“Se você olhar para os relatórios da Freedom House sobre liberdade na internet, verá o mesmo padrão: um declínio. Em nossos estudos sobre democracias, vemos leis contra extremismo, discurso de ódio, terrorismo e tentativas de controlar as mídias sociais como exemplos de democracias contribuindo para a recessão da liberdade de expressão.”

VEJA TAMBÉM:

Ações de Alexandre de Moraes aumentam a polarização 

No contexto brasileiro, Mchangama observa que, após várias tentativas falhas de aprovar projetos de lei contra fake news no parlamento (muitos "mirados contra Bolsonaro na época"), o Poder Judiciário interveio para assumir esse papel. O especialista compara essa situação à ideia de "pânico de elite", desenvolvida em seu livro. Esse fenômeno descreve a preocupação que surge entre as elites estabelecidas quando a esfera pública se expande e grupos da oposição ganham voz, impulsionados por novas tecnologias de comunicação.

"O Supremo Tribunal Federal é, por definição, uma instituição de elite", explica. "Seu raciocínio reflete claramente a ideia de que é preciso proteger a democracia e as pessoas de informações perigosas para que não sejam enganadas e tomem decisões erradas. É como dizer que você não pode confiar nas pessoas comuns, então precisa de investigações de fake news e juízes decidindo o que é ou não verdade."

Para Mchangama, medidas como o bloqueio do X no Brasil e até de VPNs (Redes Virtuais Privadas) pelo ministro Alexandre de Moraes exemplificam essa escalada. "Essas medidas não parecem criar mais confiança. Não impedem as pessoas de acreditar em teorias da conspiração. Eu argumentaria que provavelmente aumentam a polarização e a desconfiança nas instituições. Quem já não confia nelas tende a vê-las como armas contra suas ideias quando são censurados."

VEJA TAMBÉM:

Democracia brasileira direciona exemplo para a América Latina 

O advogado dinamarquês alerta que, sendo o Brasil "a maior democracia da América Latina", existe um risco regional. "Em um mundo ideal, o Brasil seria uma luz brilhante que mostra o caminho. Mas se o Brasil seguir por esse caminho [de repressão], outros países da América Latina podem achar mais fácil controlar a liberdade de expressão." 

Mchangama enfatiza que a censura está profundamente enraizada na psicologia humana, não sendo exclusividade de regimes totalitários. "Todos os seres humanos são imperfeitos e limitados em conhecimento. Mesmo os juízes mais bem-intencionados do Supremo não têm opiniões especiais sobre a verdade. E quando temos poder, é fácil justificar seu uso para expandi-lo ainda mais." 

Para o especialista, a liberdade de expressão não tem apenas importância na busca pela verdade, mas também como uma forma de "controle sobre o poder", permitindo que governantes sejam criticados por aqueles que os elegeram. "Democracias derivam do poder do povo, e o povo deve ter todo o direito de criticar quem está no poder. Antes, só regimes autoritários prendiam pessoas por espalhar mentiras. Democracias sempre foram baseadas na ideia de que não há autoridade última sobre a verdade."

Em sua vinda ao Brasil, Mchangama pretende compartilhar lições históricas sobre democracia. Em sua obra, ele traz exemplos de como a liberdade de expressão ajudou sociedades a avançarem em questões democráticas. "A liberdade de expressão é um tesouro humano que nos permite resolver diferenças pacificamente sem precisar de um rei para decidir tudo", escreve.

Ele se debruça sobre a relevância das discordâncias nos debates sociais. "É fácil criar engajamento pintando o outro lado como mal, mas isso só aumenta a polarização. Quem acredita na democracia e na liberdade de expressão deve fazer a defesa positiva desses valores, ouvindo argumentos contrários, sem rotular quem discorda como totalitário."

O evento sobre liberdade de expressão é uma realização do Instituto Sivis, em parceria com a Faculdade Belavista: ocorre em São Paulo (SP), de 14 a 17 de julho, com participação mediante inscrição pela plataforma Sympla.

VEJA TAMBÉM:

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.