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Com resorts do crime a salvo da polícia, RJ dobra fugitivos protegidos em redutos do tráfico 

Com direito a piscina, foragidos da Justiça recebem proteção de comparsas em verdadeiros resorts do crime.
Polícia deflagra operação no Complexo de Israel, no Rio de Janeiro. (Foto: André Coelho/EFE)

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Instalações de primeira linha equipadas com piscina, sauna, churrasqueira, academia, suítes com frigobar, TVs de LED, caixas de som e o diferencial: "blindados" da polícia. É assim que comunidades da capital e região metropolitana no Rio de Janeiro dominadas pelo tráfico de drogas e milícias estão virando verdadeiros “resorts do crime” para foragidos da Justiça de outros estados.

De acordo com dados da Polícia Civil do Rio de Janeiro, existem pelo menos 249 criminosos procurados de todo o Brasil escondidos em morros e comunidades cariocas com a ajuda de comparsas locais. O número é mais do que o dobro do que havia sido registrado em abril de 2024, quase um ano atrás. Na ocasião, a Polícia Civil do Rio de Janeiro tinha 101 pedidos de ajuda da polícia de outros estados para cumprir mandados de prisão para foragidos da Justiça escondidos nas favelas do Rio e Baixada Fluminense.

O estado com o maior número de foragidos escondidos no Rio é Goiás, com 53 criminosos. Depois vem o Pará, com 35; e a Bahia, com 33. Amazonas e Mato Grosso do Sul, com 21 nomes; e Alagoas e Minas Gerais, com 20, aparecem na sequência. Ceará, com 15; Espírito Santo com 12; Paraíba com 11; Rio Grande do Norte, São Paulo e Sergipe com 2; e Distrito Federal e Paraíba com 1 nome cada fecham a lista.

A maioria dos foragidos é ligada ao tráfico de drogas. Um deles, segundo o relatório da polícia, seria Emílio Carlos Gongorra Castilho, conhecido como Cigarreira, apontado como um dos mandantes do assassinato do delator do PCC Antônio Vinícius Gritzbach, morto a tiros quando chegava de viagem no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.

Cigarreira, que seria ligado à facção criminosa PCC, segundo as investigações da Polícia Civil paulista, teria fugido para o complexo da Penha, na zona norte do Rio de Janeiro, onde está ancorada uma das principais bases do Comando Vermelho. Em fevereiro, um relatório de inteligência do Ministério da Justiça apontou um possível pacto entre as duas facções criminosas, o que teria permitido a fuga de Cigarreira para lá.

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Rio precisa de ajuda para conter o crime, diz Castro

Dias atrás, o governador fluminense Cláudio Castro (PL) afirmou durante um evento que o Rio de Janeiro precisa de ajuda. “Só a atuação das nossas polícias não basta", afirmou Castro.

“Tenho levado a Brasília propostas voltadas ao fortalecimento da segurança pública, incluindo o endurecimento das leis penais contra o crime organizado, maior autonomia para que os estados legislem sobre segurança, reforço no controle de fronteiras e revisões na Lei de Responsabilidade Fiscal", acrescentou Castro na ocasião.

Relatório de inteligência do Ministério da Justiça apontou para um possível pacto entre PCC e Comando Vermelho.

O atrativo principal é que o Rio de Janeiro possui, historicamente, quadrilhas criminosas fortemente armadas que dominam e defendem amplos territórios na cidade e sua região metropolitana, tanto facções do tráfico quanto milícias. Mesmo tropas de elite, como o Bope da PM, têm dificuldade de acessar algumas comunidades, como a parte alta do Complexo da Penha ou a Vila Kennedy.

A prática de construir instalações sofisticadas com equipamentos de luxo onde criminosos ficam escondidos tampouco é nova no Rio. ”A primeira vez que vi um dos ‘resorts do crime’, com TV, hidromassagem e por aí vai, foi há mais de 15 anos, em uma operação no Alemão", afirma à reportagem da Gazeta do Povo um PM do Rio que não tem autorização para dar entrevista e por isso pediu para não ser identificado.

“Então isso não é novidade, eles aproveitam o domínio do território para construírem instalações confortáveis para si mesmos no meio da favela. A novidade mesmo talvez seja essa quantidade de bandido de fora se aproveitando disso”, analisa o profissional, sobre o avanço do crime no Rio.

O policial militar vê que a chegada e a descoberta de criminosos foragidos de outros estados abrigados no Rio de Janeiro acontece junto com a nacionalização do Comando Vermelho, a partir de 2015. Hoje a facção domina o crime organizado, assim como as rotas de tráfico de drogas, em estados das regiões Norte e Nordeste do país. “Começou a rolar esse intercâmbio, criminosos de lá circulam por aqui e vice-versa", diz ele.

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Maior ladrão de bancos do Brasil 

Foi escondido no Rio que policiais da Delegacia de Roubos e Furtos (DRF), em conjunto com a Polícia Civil de Santa Catarina, prenderam, no dia 16, um dos maiores ladrões de banco no Brasil. Diego Galdino, de 42 anos, era um dos criminosos mais procurados no país e foi capturado no município de Cachoeiras de Macacu, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, onde se escondia com uma identidade falsa. 

Galdino é apontado pela polícia como um dos principais articuladores de quadrilhas especializadas em roubos a bancos em atividade. Ele possui uma extensa ficha criminal com passagens por 17 estados e já foi preso em flagrante no Rio de Janeiro, São Paulo e no Distrito Federal. Segundo as investigações, ele utilizava documentos falsificados para escapar da polícia e continuar praticando crimes.

Um dos resorts do crime é alvo de operação da polícia, no Rio.Com direito a piscina, existem pelo menos 249 criminosos procurados de todo o Brasil escondidos em morros e comunidades cariocas com a ajuda de comparsas locais. (Foto: André Coelho/EFE)

Ele estava foragido desde fevereiro de 2024, quando participou de roubo a uma agência bancária em Joinville (SC). Na ocasião, seis criminosos invadiram o local e, em menos de 10 minutos, levaram quase meio milhão de reais. Cinco criminosos já tinham sido presos pelo crime.

Desde a fuga do assalto no estado catarinense, Galdino se refugiou no Complexo da Penha, zona norte do Rio, e permaneceu no local por meses, contando com a proteção de criminosos locais. No entanto, recentemente, a polícia identificou sua localização exata em Cachoeiras de Macacu.

De acordo com os policiais, o criminoso planejava participar de um evento religioso na tentativa de despistar as investigações. Agora, com a prisão dele, os agentes realizam diligências para apurar a possível participação do criminoso nos recentes ataques a caixas eletrônicos no estado do Rio de Janeiro.

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Mudança na legislação

Para Paulo Storani, ex-capitão do Bope da PM do RJ e especialista em segurança pública, acaba sendo uma ação entre amigos a proteção nos chamados "resorts do crime".

“Pode até ter o envolvimento de pagamento em dinheiro, drogas, armas ou serviço, mas não temos notícia disso por aqui. O motivo principal para um líder do crime carioca receber um comparsa de fora é a reciprocidade, poder fazer a mesma coisa e fugir para o reduto dele caso algum dia precise, além de fortalecer os vínculos e negócios de uma forma geral", afirma.

Para o ex-capitão do Bope, o divisor de águas nessa situação foi a decisão do STF que, com a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 635, em junho de 2020, proibiu operações policiais em morros do Rio e da Baixada. “O que criaram com isso, na prática, foram essas zonas de exclusão que servem para proteger criminosos", avalia.

Rio de Janeiro possui, historicamente, quadrilhas criminosas fortemente armadas que dominam e defendem amplos territórios, tanto facções do tráfico quanto milícias.

Além das restrições à polícia carioca impostas pelo STF, Storani vê falhas graves no Código Penal. “Se nos próximos dois anos não tivermos uma mudança significativa na lei de execuções penais, restringindo os benefícios de saída da cadeia e redução de pena para os criminosos presos e condenados, a situação da insegurança só vai piorar no Brasil", avalia.

Ele pontua a necessidade de repensar a questão da reincidência. "Existe um modelo nos EUA, que se um indivíduo é preso até três vezes por crimes mais leves, como um assalto, ele perde qualquer tipo de benefício e cumpre a pena integral. É um caminho", opina.

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