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Oito meses após sediar uma das maiores tragédias climáticas já enfrentadas pelo país, o estado do Rio Grande do Sul viu se renovar, neste início de ano, o alerta para que o poder público se mobilize para efetivar ações satisfatórias que impactem na infraestrutura e no preparo para situações de enfrentamento a fortes chuvas.
“O sentimento é que nós temos que trabalhar mais e mais rápido. Esse alerta de hoje, no dia da posse, no dia 1º, que o prefeito não pode nem fazer (a cerimônia), isso nos determina o seguinte: ‘ande mais rápido, prefeito e sua equipe, tome providências, porque a cidade não pode esperar’”, disse o prefeito reeleito Sebastião Melo (MDB) no dia da posse, em entrevista à Rádio Gaúcha.
Segundo dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), no último dia 1º choveu, somente na capital gaúcha, mais da metade prevista para todo este primeiro mês do ano. As fortes chuvas impactaram em novo episódio de inundações, alagamentos e alguns bairros registraram falta de energia elétrica. O segundo ato de posse do prefeito reeleito, programado para ocorrer na Usina do Gasômetro, precisou ser remarcado e ele foi para a Coordenação de Serviços da Cidade (Ceic) para monitorar os efeitos da chuva.
Apesar de admitir a necessidade de um trabalho mais célere para conter alagamentos e impedir falhas no fornecimento de energia elétrica, o prefeito reiterou a tese que defendeu nos meses anteriores, de que o “déficit de alagamento” não diz respeito apenas à enchente histórica do último mês de maio.
“Nós temos que resolver isso, temos que resolver casas de bomba, resolver energia. Nós vamos continuar trabalhando. Agora, eu não resolvo um déficit de 10, 20, ...70 anos tão rapidamente, mas vamos acelerar, porque a única coisa que eu posso dizer é que só tem um caminho: tem que ter planejamento e acelerar, e é o que nós vamos fazer”, seguiu o prefeito. O discurso está marcado para registro e para cobranças futuras ao poder público municipal.
Durante a campanha eleitoral de 2024, Melo já havia pontuado, em entrevista à Gazeta do Povo, o que se tornou consenso entre os técnicos: que o sistema anticheias da cidade “teve erro de concepção e erro de execução”. De acordo com o prefeito, foram feitas pela gestão municipal “muitas manutenções nas casas de bombas, diques, mas o sistema mostrou-se insuficiente”. E defendeu um projeto de proteção de cheias, colocando a responsabilidade de forma dividida entre os governos federal e estadual.
“A proteção de cheia de uma bacia hidrográfica não depende de uma cidade”, argumentou então Melo à Gazeta do Povo. “Tem que fazer um sistema olhando para essa bacia hidrográfica e envolvendo o estado”, completou.
No episódio mais recente de alagamentos, o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, responsabilizou o prefeito reeleito de Porto Alegre pelos alagamentos. “Se a prefeitura de Porto Alegre não fizer aquilo que é o seu trabalho - limpeza, manutenção, garantia de funcionamento do sistema - toda a chuva que acontecer vai acontecer o que infelizmente, no dia primeiro, de forma lamentável, a população precisou observar e sofrer as consequências”.
Na capital do estado, a prefeitura estima um prejuízo de mais de R$ 12,3 bilhões aos cofres públicos - o órgão diz que investiu quase R$ 520 milhões na reconstrução da cidade, depois de maio. O total é calculado em R$ 1,2 bilhão, com promessa de mais aplicação de recursos ao longo de 2025.
Estado gaúcho recebeu mais da metade de recursos federais para desastres climáticos em 2024
Em um balanço do governo federal, o Rio Grande do Sul recebeu mais da metade dos recursos para cidades afetadas por desastres naturais, no último ano: dos R$ 4,8 bilhões empenhados pela Defesa Civil nacional, R$ 3,5 bilhões foram destinados para municípios gaúchos. Deste total, R$ 1,5 bilhão foi para os atingidos por eventos extremos, sendo R$ 1,3 bilhão apenas para as enchentes históricas iniciadas em abril e R$ 2 bilhões para pagamento do auxílio-reconstrução.
A pior tragédia climática do estado afetou 2,3 milhões de pessoas em 471 cidades, o equivalente a quase 95% dos municípios gaúchos. Até então, o Plano Rio Grande - do governo estadual - investiu R$ 4,1 milhões em projetos de adaptação climática e reconstrução. Segundo a gestão de Eduardo Leite (PSDB), prevê até R$ 200 bilhões no longo prazo.
Malha ferroviária segue em operação parcial
A malha ferroviária que corta o Rio Grande do Sul teve retomada entre o quarto e o quinto mês após a enchente. Ainda em operação parcial, as viagens do Trensurb - a empresa de trens urbanos - que antes eram feitas apenas entre as estações Canoas e Novo Hamburgo, retornaram à capital até a estação Farrapos.
No local, os usuários que precisam se deslocar ao centro histórico ainda precisam utilizar o sistema de ônibus fretados pela empresa pública, assim como para quem está na região central e precisa utilizar o metrô.
Reconstrução do 4º Distrito: insegurança e desafios persistem oito meses após enchente histórica
O 4º Distrito de Porto Alegre, composto pelos bairros Floresta, São Geraldo, Vila Farrapos, Navegantes e Humaitá, ainda vive sob o impacto da tragédia. Apesar das obras de recuperação e modernização do sistema de proteção contra inundações, o ritmo dos trabalhos tem sido insuficiente para devolver a segurança necessária aos moradores e empreendedores da região.
A lentidão, segundo lideranças locais, não é causada apenas pela complexidade das intervenções, mas principalmente pela dependência de altos investimentos que ainda não foram integralmente liberados. Para representantes da Associação dos Empresários do 4º Distrito Vítimas da Enchente, faltam recursos para que as obras avancem na velocidade necessária.
O 4º Distrito é uma das regiões de maior potencial econômico do estado, abrigando polos de gastronomia, entretenimento, inovação, indústria e serviços, além do maior polo de cervejas artesanais do Rio Grande do Sul. A área também é estratégica por ser a porta de entrada e saída de Porto Alegre, com a rodoviária e o aeroporto internacional Salgado Filho localizados em seus limites.
Os danos causados pela enchente e a demora na execução das obras têm impactado na confiança de moradores e empresários. “É uma região rica em possibilidades, mas precisa de maior atenção dos poderes públicos, seja na esfera municipal, na estadual ou na federal”, ressalta o presidente da Associação de Empresários do 4º Distrito, Arlei Romero.
Porto Alegre acumulou 180 mil toneladas de entulho
A quantidade exorbitante de entulho que teve que ser retirada somente da capital gaúcha, no último ano, ultrapassou 180 mil toneladas. O montante teve que ser enviado, inclusive, para fora do estado. "Foi feito um planejamento de limpeza com contratos emergenciais por causa do acúmulo de resíduos", contou o diretor-geral do Departamento de Limpeza Urbana de Porto Alegre, Carlos Alberto Hundertmarker, à Gazeta do Povo.
Do total, 130 mil toneladas foram enviadas a aterros sanitários, enquanto pelo menos 50 mil ainda aguardam destinação. Esse volume equivale a 146 dias de trabalho do Departamento de Limpeza Urbana da capital, que recolhe diariamente cerca de 1,78 tonelada de resíduos na cidade.
50 mil toneladas de entulho aguarda destinação em Porto Alegre.
O último lote de resíduos está em uma área de "bota-espera" na zona norte de Porto Alegre, a mais atingida pelas inundações. A remoção completa deve ser finalizada em até 75 dias, com a contratação de equipamentos, caminhões e mão de obra para transportar o material para aterros em Gravataí, Minas do Leão e Santo Antônio da Patrulha.
Cerca de 4 mil trabalhadores participaram da operação ao longo de oito meses, com a normalização dos serviços começando apenas em agosto, três meses após o desastre. As enchentes deixaram 183 mortos e 27 desaparecidos em todo o estado; na região metropolitana, mais de 50 mortes foram registradas.
Correnteza arrasta ponte provisória após chuvas intensas
A estrutura de uma ponte na cidade de Feliz, a 80 quilômetros da capital gaúcha, foi arrastada pela correnteza do rio Caí, após temporais neste 2 de janeiro. A ponte, inaugurada há três meses, havia sido construída como parte da recuperação da área após as enchentes de 2024. Construída sobre contêineres entre os bairros Picada Cará e Arroio Feliz, a estrutura está interditada por tempo indeterminado.
Nove contêineres com estrutura metálica formavam a ponte, que ligava o centro da cidade ao município de Linha Nova e garantia um importante fluxo para os 13,7 mil habitantes de Feliz.
Setor produtivo dá sinais de recuperação
O secretário da Reconstrução Gaúcha, Pedro Capeluppi, da gestão estadual, destacou em entrevista à Gazeta do Povo que o setor produtivo está dando sinais de recuperação após as enchentes. O PIB do estado registrou uma variação de -0,3% no terceiro trimestre de 2024 em comparação ao trimestre anterior, mas apresentou um crescimento de 4,1% em relação ao mesmo período de 2023, "o que reflete avanços, embora ainda haja muito a ser feito".
Desde o início da tragédia, o governo estadual liberou mais de R$ 4,1 bilhões para ações emergenciais e de médio e longo prazo, com R$ 107 milhões destinados aos municípios do Vale do Taquari, uma das regiões mais afetadas. Sobre habitação, Capeluppi reconheceu que ainda há desafios significativos, mas ressaltou iniciativas: 332 moradias temporárias foram entregues em sete cidades, com a previsão de instalar 500 módulos ao custo de R$ 66,7 milhões.
Além disso, a construção de 422 residências definitivas é promessa em 11 municípios, com um investimento estimado em R$ 58,7 milhões. Capeluppi também destacou a criação da Secretaria da Reconstrução Gaúcha para coordenar os esforços e o próprio Plano Rio Grande, que reúne projetos em várias áreas, como infraestrutura e contenção de cheias. "Muitos desses projetos já estão em andamento e contam com recursos assegurados".
Capeluppi mencionou o "Roadmap climático", uma plataforma criada para engajar os municípios no enfrentamento das mudanças climáticas e coletar diagnósticos locais. A Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura está em contato com as Comissões Municipais de Mudanças Climáticas, e o prazo para envio das informações foi prorrogado para 15 de janeiro.
Como está o Rio Grande do Sul hoje
As infraestruturas rodoviária e metroviária do estado também foram severamente impactadas pelas enchentes. A reconstrução das estradas envolve esforços conjuntos do governo estadual, dos municípios, da União e da iniciativa privada. Segundo Capeluppi, as reconstruções devem considerar resiliência climática, como elevar o nível de pontes para prevenir danos em futuros eventos extremos.
Para essa finalidade, o governo liberou mais de R$ 1,1 bilhão por meio do Fundo do Plano Rio Grande, gerido pela Secretaria de Logística e Transportes. Além disso, estão sendo realizadas concessões de blocos rodoviários à iniciativa privada.
Um deles prevê investimentos de R$ 6,5 bilhões, incluindo um aporte de R$ 1,3 bilhão do governo estadual, para melhorar as estradas do Vale do Taquari e da região norte. Capeluppi classificou esses investimentos como históricos para impulsionar o desenvolvimento da região.
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