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Seis pacientes que tiveram órgãos transplantados no Rio de Janeiro foram contaminados pelo vírus HIV e testaram positivo após as cirurgias. O caso foi revelado nesta sexta (11) pela rádio BandNews FM e confirmado à Gazeta do Povo pela Secretaria Estadual de Saúde fluminense (SES-RJ).
De acordo com a apuração, um laboratório privado contratado por meio de uma licitação emergencial em dezembro de 2023 era responsável pelos exames e teria falhado na testagem dos órgãos. A SES-RJ considerou o caso como “inadmissível” e instaurou uma sindicância para identificar e punir os responsáveis.
“O laboratório privado, contratado por licitação pela Fundação Saúde para atender o programa de transplantes, teve o serviço suspenso logo após a ciência do caso e foi interditado cautelarmente. Com isso, os exames passaram a ser realizados pelo Hemorio”, disse o órgão à reportagem.
O secretário de estado da Polícia Civil, delegado Felipe Curi, determinou a instauração de um inquérito e oficiou a Delegacia do Consumidor (Decon) a realizar as primeiras diligências. O Ministério da Saúde informou à Gazeta do Povo que está tratando a situação com "extrema seriedade" e tomou medidas imediatas para "preservar a confiança da população nesse serviço essencial" (veja mais abaixo).
A SES-RJ informou que montou uma comissão multidisciplinar para atender e acompanhar os pacientes que receberam órgãos do laboratório e que “está realizando um rastreio com a reavaliação de todas as amostras de sangue armazenadas dos doadores, a partir de dezembro de 2023, data da contratação do laboratório”.
A secretária estadual de Saúde do Rio de Janeiro, Cláudia Mello, afirmou que todas as amostras de sorologia dos doadores foram transferidas para o Hemorio, uma unidade estadual de saúde, desde o dia 13 de setembro.
“A partir dessa data, toda a doação de órgãos passou a ser enviada diretamente para o Hemorio”, disse em entrevista à GloboNews. Ela afirmou que o material armazenado de 286 doadores será reanalisado para garantir a segurança dos transplantes realizados desde a contratação do laboratório.
Laboratório não tinha kits para exames
A apuração aponta que o laboratório PCS Lab Saleme, localizado em Nova Iguaçu (RJ), recebeu R$ 11 milhões para realizar exames de sorologia dos órgãos doados. No entanto, uma inspeção da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) realizada nesta quinta (10) constatou que o local não tinha sequer os kits necessários para realizar os exames de sangue.
Também não apresentou à autoridade documentos que comprovassem a compra dos materiais, o que levantou a suspeita de que os testes podem não ter sido feitos corretamente e que os resultados entregues tenham sido forjados.
Em nota divulgada á imprensa, no final da tarde desta sexta-feira (11), o laboratório PCS Lab Saleme anunciou que instalou uma sindicância interna para apurar as responsabilidades relacionadas ao caso. Também informou que dará “suporte médico e psicológico” aos pacientes infectados e seus familiares e que está à disposição das autoridades para a investigação sobre o caso.
Segundo o laboratório, trata-se de “um episódio sem precedentes na história da empresa, que atua no mercado desde 1969”.
A unidade na cidade fluminense está fechada nesta sexta (11) com um aviso de que está em “manutenção”. No entanto, a Anvisa interditou o local cautelarmente.
A situação foi descoberta no início de setembro quando um paciente que recebeu um coração, no final de janeiro, apresentou sintomas neurológicos e testou positivo para o HIV, vírus que ele não possuía antes do procedimento. Foi o início da apuração do caso e levou as autoridades a realizarem exames em outros dois pacientes que haviam recebido rins do mesmo doador – confirmando o diagnóstico.
Ainda de acordo com a apuração, a SES-RJ foi notificada há uma semana de mais um paciente que teria recebido órgãos infectados após o transplante. Ao todo, seis casos idênticos foram confirmados.
“Por necessidade de preservação das identidades dos doadores e transplantados, bem como do encaminhamento da sindicância, não serão divulgados detalhes das circunstâncias”, disse a secretaria. Já o governo do estado do Rio de Janeiro ainda não se pronunciou.
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Ministério adota medidas para "preservar confiança"
Ainda pela manhã, após tomar conhecimento do caso, representantes do Ministério da Saúde se reuniram com a secretária Cláudia Mello para tomar as primeiras providências. Em nota à Gazeta do Povo, a pasta informou que agiu rapidamente para mitigar os danos e proteger os pacientes afetados. Entre as ações adotadas, está a interdição cautelar do laboratório e a determinação de que o Hemorio, unidade estadual de saúde, assuma a testagem dos doadores no estado.
“O Ministério da Saúde manifesta seu irrestrito apoio aos pacientes e suas famílias”, destacou em uma nota à reportagem.
O ministério garantiu que os pacientes infectados e seus contatos estão recebendo atendimento especializado, que a situação está sendo tratada com "extrema seriedade", com foco na segurança dos transplantados e na integridade do sistema de saúde
Além da suspensão das atividades do laboratório PCS Saleme, o ministério ordenou a retestagem de todas as amostras de sangue coletadas desde a contratação do laboratório para identificar possíveis novos casos de resultados incorretos. Também foi determinada a abertura de uma auditoria urgente pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS (DENASUS), que irá investigar possíveis irregularidades no contrato firmado com o laboratório.
"O Sistema Nacional de Transplantes (SNT) é reconhecido como um dos mais transparentes, seguros e consolidados do mundo", disse o ministério em defesa do órgão, ressaltando que há normas rígidas e protocolos específicos para evitar a transmissão de doenças infecciosas durante o processo de doação de órgãos.
Mesmo assim, o Ministério da Saúde informou que as diretrizes e procedimentos serão reforçados, com o objetivo de aprimorar a identificação de doenças transmissíveis e minimizar ainda mais os riscos. "Esse esforço visa reduzir ainda mais as chances de transmissão de infecções como o HIV ou a Hepatite C, garantindo que o sistema de transplantes no Brasil continue a operar dentro dos mais altos padrões de segurança", pontuou.
O que dizem os órgãos responsáveis pela saúde no RJ
Veja abaixo o posicionamento completo da SES-RJ:
"A Secretaria de Estado de Saúde (SES) considera o caso inadmissível. Uma comissão multidisciplinar foi criada para acolher os pacientes afetados e, imediatamente, foram tomadas medidas para garantir a segurança dos transplantados.
O laboratório privado, contratado por licitação pela Fundação Saúde para atender o programa de transplantes, teve o serviço suspenso logo após a ciência do caso e foi interditado cautelarmente. Com isso, os exames passaram a ser realizados pelo Hemorio.
A Secretaria está realizando um rastreio com a reavaliação de todas as amostras de sangue armazenadas dos doadores, a partir de dezembro de 2023, data da contratação do laboratório.
Uma sindicância foi instaurada para identificar e punir os responsáveis. Por necessidade de preservação das identidades dos doadores e transplantados, bem como do encaminhamento da sindicância, não serão divulgados detalhes das circunstâncias.
Esta é uma situação sem precedentes. O serviço de transplantes no estado do Rio de Janeiro sempre realizou um trabalho de excelência e, desde 2006, salvou as vidas de mais de 16 mil pessoas".
Veja abaixo o posicionamento completo do Ministério da Saúde:
"O Ministério da Saúde, diante da notificação de eventos adversos graves, relacionados à transmissão do HIV por meio de transplantes de órgãos no estado do Rio de Janeiro, manifesta seu irrestrito apoio aos pacientes e suas famílias. A situação está sendo tratada com extrema seriedade, visando cuidar dos pacientes e suas famílias e preservar a confiança da população nesse serviço essencial. O Ministério esclarece ainda as medidas imediatas adotadas para garantir a segurança e a integridade do sistema nacional de transplantes.
O episódio ocorreu em testes realizados por um laboratório privado, contratado pela Fundação Saúde, sob a responsabilidade da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, para atendimento ao programa de transplantes no estado. Até o momento houve a confirmação de infecção por HIV de dois doadores e seis receptores que tiveram teste positivo.
Diante da gravidade do caso, imediatamente, foram tomadas as seguintes medidas:
- O MS solicitou a interdição cautelar do Laboratório PCS Saleme/RJ, cuja unidade operacional fica no Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro – IECAC;
- Determinou que a testagem de todos os doadores de órgãos no Rio de Janeiro voltasse a ser feita exclusivamente pelo Hemorio, utilizando o teste NAT;
- Ordenou a retestagem do material de todos os doadores de órgãos feitas pelo Laboratório PCS Saleme/RG, a fim de identificar possíveis novos casos falso-positivos;
- Determinou que o grupo de pacientes receptores de transplantes de órgãos dos doadores infectados, bem como seus contatos, recebessem total atendimento especializado, e
- Determinou a instalação de auditoria urgente pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS – DENASUS – no sistema de transplante do Rio de Janeiro, e a apuração de eventuais irregularidades na contratação do referido laboratório, dentre outras providencias.
O Sistema Nacional de Transplantes (SNT) é reconhecido como um dos mais transparentes, seguros e consolidados do mundo. Existem normas rigorosas que visam proteger tanto os doadores quanto os receptores, garantindo que os transplantes realizados no país mantenham um alto nível de confiabilidade. O SNT possui dispositivos regulatórios que já preveem protocolos específicos para a redução de riscos, como a transmissão de doenças infecciosas, e está em constante atualização para acompanhar os avanços médicos e científicos nessa área.
O Ministério da Saúde e os demais agentes sanitários reforçaram as normas e orientações técnicas, que já são robustas, com o intuito de aprimorar os procedimentos de identificação de doenças transmissíveis antes da doação. Esse esforço visa reduzir ainda mais as chances de transmissão de infecções como o HIV ou a Hepatite C, garantindo que o sistema de transplantes no Brasil continue a operar dentro dos mais altos padrões de segurança.
Por fim, o Ministério da Saúde reforça o compromisso com a segurança e a transparência no processo de doação de órgãos, assim como com a supervisão dos processos de trabalho envolvidos. Todas as ações tomadas até o momento visam proteger a saúde da população e aprimorar ainda mais o Sistema Nacional de Transplantes, que se mantém sólido e seguro".









