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Vida noturna

20 anos do nosso “Beco das Garrafas”

Wonka Bar organiza festa para reunir os frequentadores de três bares que entraram para a história da noite curitibana: O Poeta Maldito, Dolores Nervosa e Dromedário

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Veja o que pessoal recordou e comentou através do Facebook (Foto: )

Se o Rio de Janeiro teve o "Beco das Garrafas" – região de Copacabana que concentrava as casas noturnas que foram o berço da bossa nova, nas décadas 50 e 60 –, nos anos 90 Curitiba também desfrutou de alguns bares que entrariam para a história como celeiros da vida cultural e artística da cidade: O Poeta Maldito, que funcionou durante aproximadamente 12 meses em dois locais diferentes – uma portinha na Alameda Cabral e um casarão no número 34 da Rua Clotário Portugal; o Dolores Nervosa, boteco que conseguia ser cult e pop ao mesmo tempo na Av. Vicente Machado, 194, entre 1992 e 1994; e o Dromedário, uma espécie de "evolução" do Dolores, que funcionou no mesmo endereço, de 1994 a 2001. Os três estabelecimentos, dos quais a agitadora cultural Ieda Godoy foi sócia, foram – ao lado de outros espaços, como o 92 Graus e o Lino’s Bar – alguns dos primeiros da cidade a acolher manifestações artísticas locais, fossem música, poesia, literatura, teatro ou artes plásticas.

Por ali circularam alguns dos maiores artistas e intelectuais daquela geração, como os integrantes de bandas como Beijo AA Força (depois Maxixe Machine), Woyzeck, Gente Boa da Melhor Qualidade, CMU Down, Tod’s, Relespública e outras; artistas plásticos como Karen Tortato; músicos/empresários como Luli Frank (atual proprietário do James e ex-integrante do Copacabana Club); boêmios notórios como o saudoso China Meneguetti; e até forasteiros ilustres, como José Wilker, Darlene Glória, Dira Paes, Wander Wildner, Ben Harper e a banda de David Bowie – que terminou a noite no Dromedário, depois do show que fizeram na Pedreira Paulo Leminski, em 1997.

"Sempre acreditei que um bom bar não serve apenas para vender bebida, ou pela diversão pura e simples; historicamente, o bar tem uma importância cultural e social enorme, é um espaço de circulação de ideias, de exposição do pensamento e de germinação da criação artística", resume Ieda Godoy, hoje à frente do Café Mafalda e do Wonka Bar, que nesta sexta-feira promove uma festa em homenagem aos três bares (mais detalhes no fim do texto). "O Beco das Garrafas é um exemplo de como os bares são importantes quando se preocupam com o conteúdo, e não apenas com a forma."

De fato, a "forma" não era o forte dessas casas (com exceção do Dromedário, que era mais ajeitadinho). O Poeta Maldito era originalmente um cubículo tosco, e depois um casarão meio bizarro, com uma parede repleta de torneiras e uma exótica banheira lilás no seu banheiro unissex; O Dolores Nervosa, por sua vez, não tinha garçons e funcionava numa casa apertada, com paredes sem reboco, cadeiras feitas a mão e um balcão despojado. Só no Dromedário começou a aparecer o acurado senso estético que marcaria os empreendimentos futuros de Ieda Godoy.

O princípio

A história toda começou em 1991, quando Ieda conheceu Marcelo Borges – que havia voltado de Londres e abrira o primeiro Poeta Maldito, na Alameda Cabral –, Ângela Dal Molin e Leônidas Rodrigues, que se juntaram a ele no segundo endereço do bar, na Clotário Portugal. "Eu fazia Artes Cênicas na PUC e dava aulas para crianças na escola Palmares, e nas férias comecei a ajudar os três no bar", conta Ieda. "Mal o Poeta da Clotário abriu, o Marcelo se retirou da sociedade, porque ia se casar e ter o primeiro filho. Eu assumi o lugar dele, e nunca mais saí dessa vida."

Na Clotário Portugal, o Poeta Maldito só durou oito meses (até julho de 1992). Foi obrigado a fechar as portas por reclamações da vizinhança, prática recorrente em Curitiba. Dois meses depois, Ieda inaugurava o Dolores Nervosa na Avenida Vicente Machado. "Não tinha nada ali na época", recorda a empresária. "Lembro que fizemos uma vaquinha e demos uma linha telefônica – no tempo em que isso valia algum dinheiro – como parte do pagamento."

O Dolores Nervosa durou dois anos e, nesse meio tempo, virou lenda: a confluência de artistas e intelectuais, gente descolada, clima descontraído, shows, exposições e cerveja barata alimentaram o boca-a-boca, e em pouco tempo o bar explodiu. "Era genial, mas começou a atrair todo o tipo de gente. O bar estourou, a galera tomava a Vicente Machado. O sucesso foi tanto que começou a ficar assustador... a gente tinha a impressão de que ia perder o controle", revela Ieda. "O Dromedário foi uma tentativa de sair dessa loucura toda, triar um pouco o público e retomar a proposta original."

Os dois bares da Vicente Machado também inovaram ao investir na gastronomia. "A maioria dos bares na época só servia cerveja e amendoim. No Dolores e no Dromedário começamos a ter um cardápio mais elaborado... a gente que começou com essa história de banda em bar, de bar virar pista e de oferecer comida sem ser restaurante. A comida traz um afeto diferente, agrega as pessoas, acolhe, aconchega", resume a empresária.

Passados 20 anos, e depois de ter feito "mil coisas" – abrir o Café Mafalda, organizar festas na Sociedade Vasco da Gama e na Portuguesa, lançar bandas como Gente Boa da Melhor Qualidade, El Merekumbé e Denorex 80, tocar o Wonka... – Ieda garante que não faria nada diferente: "Interiormente as coisas não mudaram muito. Eu sempre fui muito passional, movida por uma força intuitiva que me faz tratar tudo de forma muito pessoal. Eu gosto do fazer com a mão, da coisa artesanal, porque é isso que gera a identidade do lugar. Um conceito só é real quando você acredita naquilo, e faz diretamente. Acho que é isso que me leva a continuar sendo tão fiel ao underground", conclui. Raciocínio que pode ser resumido em uma palavra: personalidade.

Serviço

- Festa 20 anos – do Poeta Maldito ao Wonka- Sexta-feira, às 22 horas, no Wonka Bar (Rua Trajano Reis, 326)- Shows com Katie Fagotti e Fernando Mullich, interpretando Astor Piazzolla; Tom Waits, por André "El Sid" Osna; pocket show com Edith de Camargo, e DJ sets com Cláudio Pimentel (hits do Poeta), JC Branco (Dolores) e Sonderam (Dromedário). Exposição de fotos dos bares- Entrada a R$ 10 – quem tiver sido frequentador de um dos bares e mandar um e-mail para iedawonka@gmail.com, fica isento da entrada- Informações: (41) 3026-6272, ou na página do evento no Facebook do evento

Interatividade

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