
Saul Bellow (1915-2005) disse que Eugene Henderson era, dos seus personagens, aquele com que mais se identificava. Isso revela um bocado sobre o canadense que se tornou um dos maiores escritores que os Estados Unidos teve.
O protagonista de Henderson, o Rei da Chuva, publicado há pouco pela Companhia das Letras, é um sujeito impagável. Do tipo que chama o outro de "Judas!" quando perde a paciência e sente "toda a raiva de um homem cansado que acabou de quebrar sua ponte dentária".
Henderson é um milionário graças à herança deixada pelo pai e tem aspirações artísticas. Toca violino, trabalha como fazendeiro criador de porcos e se debate com uma angústia que não sabe de onde vem. Ele tem um desejo grande por algo que não sabe o que é.
Um dia, do nada, como a maioria das coisas que acontecem a ele, decide ir para a África. Aproveita que um amigo recém-casado vai viajar para a lua-de-mel e embarca com o casal. Chegando lá, contrata um intérprete e logo deixa o amigo e a mulher para seguir um caminho próprio. Que ele não sabe qual é.
Henderson tem uma ideia apenas vaga do que busca e fala sobre o assunto com relutância. Quando alguém pergunta algo na linha de "O que você está fazendo aqui na África?", ele se altera, odeia a maldita questão e faz uma lista de respostas que poderiam satisfazer os interlocutores, mas que não adiantam nada para ele.
Tudo indica que Henderson busca um sentido para a existência. Tendo casado algumas vezes (como o próprio Bellow, que teve cinco esposas, sem contar os casos que não terminaram em casamento), tido vários filhos e vivido os confortos que o dinheiro dá, ele lida com uma insatisfação permanente. Um sentimento de que algo fundamental está escapando.
Publicado pela primeira vez em 1959, anos antes de Bellow ganhar o Prêmio Nobel de Literatura (1976), mas depois de ter escrito seu primeiro grande romance, As Aventuras de Auggie March (1953), Henderson, o Rei da Chuva teve uma recepção morna à época do lançamento. Mais tarde, chegou a ser apontado como o livro que traduzia um sentimento essencialmente norte-americano ou ao menos era assim que os europeus o encaravam , o desconforto de não se conhecer. Era um tipo de ignorância, ligada talvez ao fato de ser uma nação "jovem". Uma angústia que alguns tentam compensar em viagens pelo mundo como é o caso de Henderson.
Ávido por sabedoria, o fazendeiro violinista milionário chega à África e espera conversar com as figuras eminentes das tribos que conhece. Um egocêntrico que não nega sua condição, diante da rainha Wariri não hesita em perguntar: "O que você vê em mim?".
Imagine Henderson, o Rei da Chuva como um filme. Seria perfeito nas mãos de Billie Wilder, de Quanto Mais Quente Melhor (1959), com Walter Matthau no papel de Henderson. Cerca de 20 anos atrás, se cogitou fazer uma versão para o cinema que teria Jack Nicholson encabeçando o elenco, mas o projeto não vingou.
Na história, as intenções de Henderson são boas, mas, na prática, tudo o que faz é desastroso. Num dos episódios, ele inventa de ajudar uma tribo que corre o risco de morrer de fome porque as vacas, que são a principal fonte de alimento, não podem tomar a água de um reservatório infestado de rãs. O plano de Henderson é explodir as rãs, mas o desfecho tem consequências terríveis. Esse trânsito entre o cômico e o dramático é a marca do romance. GGGG
Serviço: Henderson, o Rei da Chuva, de Saul Bellow. Tradução de José Geraldo Couto. Companhia das Letras, 416 págs., R$ 58.



