
É difícil falar sobre amor, melhor deixar com os poetas. Complicado também, nesses tempos homogêneos, verbalizar sobre política de maneira original e não infantilizada. Então, retratar o que se vê nas ruas, no ônibus, no quarto, no mercado, na tevê pode surpreender se quem fala é um cronista capaz de criar dialogismo imediato. Assim, amor e política também têm vez.
Os gaúchos da Apanhador Só lançam hoje seu segundo disco, Antes Que Tu Conte Outra. Se o debute, em 2010, fez com que o grupo galgasse posições no infinito ranking da nova cena com seu rock ao mesmo tempo capcioso e ensolarado, o novo disco dá uma "despirocada" rumo ao experimentalismo e reforça a verve cotidiana da banda, acostumada, por exemplo, a fazer shows em praças de Porto Alegre.
"Mordido", a primeira faixa, é a instalação de um minicaos, às vezes, o melhor sinônimo para relacionamentos. Tensa e minimalista, a música explode em um rock reto e pesado.
A divertida "Vitta, Ian, Cassales" fala sobre pequenices, sem deixar de lado importantes constatações do dia a dia. "Tu te ilumina/ tomando uísque com guaraná". Como no resto do álbum, há outros elementos aqui, interessantes teclados em detrimento, por exemplo, de guitarras e bateria.
A suíte "Lá em Casa Tá Pegando Fogo" é exemplar. Um arpejo de violão intenso, e depois hipnótico, acompanha um quase-mantra sobre um fogo incontrolável: metáforas.
Lançado na semana passada, "Despirocar", que já ganhou clipe, poderia ser um relato de um trabalhador da classe média em 2013 e da falta de tempo. "Então eu me pergunto/ quando sobra algum segundo/ em que eu reflito sobre o mundo/ se funciona e coisa e tal." Que mundo é esse? Melhor despirocar.
Já "Líquido Preto" é uma das mais engraçadas e surpreendentemente bonitas críticas já feitas à... Coca-Cola. Tom Zé que não os ouça.
Na segunda metade do álbum, a Apanhador Só se revisita. "Não Se Precipite" e "Rota" abraçam o pop, embora com as peculiaridades de uma banda extremamente criativa Alexandre Kumpinski (voz e guitarra), Felipe Zancanaro (guitarra), Fernão Agra (baixo) e André Zinelli (bateria).
A saborosa e já conhecida "Torcicolo" é uma minicrônica sobre dormir com alguém e talvez se arrepender disso. "Meu benzinho/ tá um amor/ mas tô pensando em cair fora/ achar a chave abrir a porta e dar no pé feito um calhorda". Quem nunca?
Para o final, ficaram a balada "Nado", a filosófica "Por Trás", uma desnecessária releitura do Hino Nacional ("Reinação") e a onírica "Cartão Postal".
O disco tem produção de Zé Nigro (Curumin), Gustavo Lenza (engenheiro de som de Céu e Lucas Santtana) e da própria banda. O álbum foi masterizado por Felipe Tichauer (Mallu Magalhães e Anelis Assumpção).
A Apanhador Só ousa com parcimônia. O DNA dos gaúchos está lá, embora fragmentado em pequenas experimentações que, depois de um disco "cancioneiro" e objetivo, se torna sinônimo de evolução. GGG




