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A arte de ser muitos

O artista catarinense radicado em Curitiba Octávio Camargo é mais conhecido pela sua atuação como músico, mas ele faz também teatro, artes plásticas e intervenções urbanas

“Procuro engajar a cidade a partir das muitas atividades artísticas em que estou envolvido”, diz Octávio Camargo | Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo
“Procuro engajar a cidade a partir das muitas atividades artísticas em que estou envolvido”, diz Octávio Camargo (Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo)
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Ele atende a uma chamada de telefone, escuta o interlocutor, pronuncia poucas palavras, pois está concedendo uma entrevista para a Gazeta do Povo e, antes de desligar, diz: "Um abraço pra ti." Céu azul, poucas nuvens, mais de 20º C, mas todas as cortinas estão fechadas na casa de Octávio Camargo, no Alto da XV.

Minutos depois, a sua mãe, Maria Celi, de 65 anos, bate no portão. Ela, que mora em um apartamento no centro de Curitiba, visita o filho e traz pastéis de carne dentro de uma sacola. "Em casa de músico, as pessoas acordam tarde", diz a mãe de Octávio. Não havia passado das 15 horas e a atriz Chiris Gomes, que vive com Octávio há nove meses, começava a ferver água para o primeiro café do dia.Octávio bebe muito café.Ele, aos 42 anos, garante que o que mais fez nessa vida foi ler. Ingressou, estudou e abandonou as faculdades de Medicina e de Psicologia. Toca violão desde os 13 anos. O nome e o sobrenome Octávio Camargo são relacionados, em Curitiba, em primeiro lugar, à música. Bacharelou-se, em 1992, na Escola de Música e Belas Artes do Paraná (Embap), em que leciona Composição e Regência. Até meados da década de 1990 foi, acima de tudo, instrumentista.

Virtuose do violão, por volta de 1994, passou a deixar o instrumento encostado. Começava a se revelar, a partir daquele momento, um Octávio Camargo criador multimídia.A atriz Helena Portela está no portão. Ela entra na casa de Octávio pela porta da sala, acena e segue até a cozinha. De noite, haverá ensaio de uma montagem de Finnegans Wake, de James Joyce, que terá a direção de Camargo. Helena está no elenco.

Da cozinha, Chiris conta que as muitas atividades do companheiro acontecem depois que o sol se põe. Octávio reconhece que começa a funcionar, de fato, quando o relógio marca 18 horas.

Ele tosse.

Acende um cigarro. Sabe dos malefícios, está disposto a reduzir o consumo, mas não vai parar por causa da Lei Antifumo que, para ele, é algo violento e perigoso, "pela tentativa de controlar o comportamento".

Tosse mais uma vez. E observa que, atualmente, passa a maior parte do tempo dentro de casa, o que tem sido um desafio, talvez provação.

Octávio Camargo nasceu em Florianópolis, mas quando tinha menos de 1 ano, a família mudou-se para Curitiba. A casa, na Rua Atílio Bório, onde ele vive agora, foi o endereço de sua infância. Em 1974, perdeu o pai. Ano passado, o sobrinho Francisco morreu, vítima de um acidente de trânsito. O jovem, de 26 anos, morava nessa casa. Os aproximados 200 metros quadrados são imensos, até demais, para Octávio. Ele acende mais um cigarro. E fala que a morte, um dos grandes temas da arte, insinua-se, para ele, em todos os cômodos desse imóvel.

Toca o telefone celular.

É o irmão, o fotógrafo Gilson Camargo Jr. Octávio conversa enquanto caminha pela sala, onde há mil cópias de seu mais recente álbum, Nanoépicos, com 16 faixas e ilustrações de Foca Cruz. São composições instrumentais, que comportam oboé, clarinete, violão, piano e percussão, muitas delas já veiculadas como trilhas sonoras em peças de teatro e filmes. A sonoridade? Nuances inclassificáveis, não-óbvias e tão contemporâneas como é a prosa de Samuel Beckett.

Octávio desliga o telefone celular e caminha pela sala.

Não tem televisão nem aparelho de som. Nem violão ele tem dentro de sua casa. Precisa de tempo livre. Para pensar, inventar e, uma vez com a ideia esboçada, realizar.

Recentemente, produziu centenas de canções. Algumas dessas músicas, que têm letras de poetas curitibanos, foram gravadas por Barbara Kirchner, Troy Rossilho, Alexandre França e outros jovens artistas locais.

Um, dois, três passos pela sala, e ele senta em uma cadeira diante da mesa em que está o seu computador pessoal.

Pede licença para conferir a caixa de e-mails. Informa-se pela internet. On-line, acompanha os desdobramentos do projeto de leitura da Ilíada, de Homero, que já foi apresentado em dezenas de cidades brasileiras e até mesmo na Grécia.

Confessa que enfrenta, há muito, um problema aparentemente sem solução. Tem dificuldade para dormir. Seria medo de não despertar no dia seguinte? Ele não sabe. Diz, então, que é durante essa espera pelo momento de adormecer que elabora muitos dos projetos que realiza, a exemplo de um novo modelo de carrinho para catadores de papel – o que se desdobrou em uma exposição realizada na Galeria Ybakatu, em 2006.

Octávio Camargo tem todas as madrugadas acesas.

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