
Um dos principais reflexos da atual crise econômica que se espalha por diversos países e que atinge, principalmente, as nações mais desenvolvidas, são as elevadas taxas de desemprego. Sem trabalho, por consequência, cresce a desigualdade e a tensão sociais. Tendo como pano de fundo os problemas da França contemporânea, As Neves do Kilimanjaro, dirigido por Robert Guédiguian e cuja exibição (bastante aplaudida pelo público) na 35.ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo ocorreu na última segunda-feira, traz à tona todos esses conflitos de maneira sutil, por meio da história de um casal feliz.
O pai de família Michel (Jean-Pierre Darrousin) é um sindicalista envolvido com as causas dos trabalhadores. Ele atua nessa área durante toda a sua vida, até o dia em que o sindicato é obrigado a fazer um acordo e demitir funcionários tudo por conta, é claro, dos problemas crônicos na economia.
Outro personagem atingido pelo revés é um jovem abandonado pela mãe, que cuida com carinho dos irmãos mais novos. Para conseguir sustentá-los depois que é dispensado, ele começa a realizar assaltos, um deles na casa de Michel, que havia acabado de separar uma quantia razoável em dinheiro com o objetivo de comemorar, em uma viagem, os 30 anos de casamento com Marie-Claire (Ariane Ascaride, que estrelou grande parte dos filmes de Guédiguian).
Mudança de tom
No momento em que a casa é roubada, o diretor consegue trazer repentinamente um ponto de grande tensão para o filme, que até então retratava a vida pacata do casal (mesmo triste pela demissão, Michel dedica os dias vagos para cuidar dos netos). O protagonista acaba reconhecendo o assaltante, que é denunciado e preso.
O ato faz com que o casal, sempre engajado nas lutas sociais, repense suas vidas e atitudes, autodefinidas como burguesas afinal de contas, eles têm propriedade particular, são assalariados e acabaram formando uma instituição a família. Esse desconforto, recorrente nos personagens, tem forte inspiração na obra do também francês Victor Hugo, poeta, dramaturgo e ensaísta que sempre criticou as misérias sociais em suas obras (como em Os Miseráveis, publicado em 1862).
Redenção
Arrependidos de terem denunciado o jovem, que assaltava com uma arma de brinquedo, mas criticados pelos amigos e pelos filhos que apaludiam a condenação, os dois se aproximam dos meninos desemparados e resolvem trazê-los para casa até que o irmão saia da prisão. Esse acolhimento, que pode soar clichê, faz com que o espectador reflita sobre os conflitos geracionais na França de hoje, onde jovens, diferentemente de Michel, enfrentam uma verdadeira saga para conseguir um emprego com carteira assinada que lhes garantam uma pensão quando demitidos.
A repórter viajou a convite da 35ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.



