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O baiano Waldomiro de Deus tinha 12 anos quando brigou com o pai e saiu de casa. Pegou carona em um caminhão "pau-de-arara" e chegou a São Paulo em 1956. Na mala, trazia um par de botas de couro e as calças que havia comprado com economias acumuladas em trabalhos na lavoura. Trabalhava como jardineiro, quando descobriu tintas e pincéis na garagem do seu patrão. Resolveu pintar e logo acabou tomado gosto pelo ofício, passando dias e noites trabalhando a fio. Quando foi demitido (seu patrão, afinal de contas, queria um jardineiro), Waldomiro organizou sua primeira exposição embaixo do Viaduto do Chá, em São Paulo. Os trabalhos encheram os olhos de um turista norte-americano que desmbolsou um bom dinheiro para levar duas peças. Waldomiro estava com 17 anos e usou os ganhos para, pela primeira vez, alugar um quarto próprio.

Hoje, o baiano é reconhecido como grande expoente brasileiro da arte naïf e primitiva. Desde a semana passada, algumas de suas telas estão expostas no Centro de Criatividade de Curitiba. A mostra, chamada Naïf em Destaque, reúne trabalhos de outros cinco artistas, Clóvis Júnior (da Paraíba), Marcos de Oliveira (Bahia) e dos curitibanos Do Carmo Fortes, Lídia Saczkovski e Loizel Guimarães. Este último é guarda do Centro Cultural Solar do Barão, em Curitiba, e foi parar no mundo das artes levado pelos funcionários da casa.

Todos os artistas ministraram cursos na rede municipal de ensino e participaram, na última semana, de bate-papos com o publico. Em um deles, Waldomiro de Deus contou que a arte naïf é um estado de espírito que leva a uma maneira pessoal de pintar, que transcende a arte popular, e que acontece nas pessoas, nos "sapateiros, carteiros, donas de casa, médicos, jornalistas, e diplomatas". Seria uma necessidade vi-tal, que distorce a realidade para lhe impor um estilo pessoal e único nas pessoas que não quiseram ou não puderam criar vínculos com escolas e as academias de arte. Wal-domiro descreveu o naïf como uma arte que "vem do homem", que não é aquilo que a universidade e os críticos impõem como arte.

Para a organizadora da mostra e coordenadora de artes visuais da Fundação Cultural de Curitiba, Gilmar Silva, a linha divisória entre a arte popular e a naïf (ingênua, em francês) é tênue. "É uma arte autodidata, desvinculada de escolas, de fácil compreensão, pautada pela ingenuidade e pelo desconhecimento", comenta. É uma manifestação artística formalmente desajeitada e despretensiosa no seu uso de perspectiva e desenho, mas, por isso mesmo, interessante e imaginativa, inspirada em temas do cotidiano, no campo e na cidade.

A coordenadora relembra o sucesso que a arte primitiva brasileira fez em Paris, no programa Ano do Brasil na França, em 2005. "Eles ficaram encantados com a espontaneidade que permeia esses trabalhos, sem aquela contaminação do erudito, das escolas, sem pretensão". O crescente interesse nesse tipo de produção possibilitou a vinda e a realização da mostra em questão, diz Gilmar.

Nikola Matevski

Serviço: Exposição Naïf em Destaque. Centro de Criatividade de Curitiba (R. Mateus Leme, 4700), (41) 3313-7191. De segunda à sexta das 9 às 18 horas. Entrada franca. Até 1 de outubro. Informações: www.fccdigital.com.br

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