
Passagem do tempo, vida conjugal, preguiça, solidão, anchovas norueguesas. A variedade de temas das crônicas reunidas no novo livro de Luis Fernando Veríssimo, Em Algum Lugar do Paraíso (Ed. Objetiva), longe de sinalizar uma falta de unidade da obra, aponta para a natureza diversa do gênero literário que tem hoje no autor gaúcho um de seus principais praticantes. Escrevendo em jornais regularmente há mais de quatro décadas, Verissimo não se preocupa em definir a crônica. Ao contrário:
"É difícil dizer o que é a crônica. Onde termina a ficção e começa o comentário? A crônica aceita quase tudo. E isso é ótimo", diz Veríssimo em seu apartamento em Ipanema, refúgio carioca do escritor, que vive em sua Porto Alegre natal.
Os 41 textos reunidos em Em Algum Lugar do Paraíso são uma boa amostra do leque de assuntos e estilos presentes em suas colunas publicadas na imprensa de todo o país atualmente, elas saem na Gazeta do Povo às quintas-feiras e aos domingos. A crônica que dá título ao volume, por exemplo, começa com uma meditação poética sobre o tempo ("O tempo não tem pontos fixos, o tempo é uma sombra que dá a volta na Terra. Ou a Terra é que dá voltas na sombra") e termina com uma piada sobre um plácido Adão caindo em desgraça com a chegada de Eva e, com ela, da sexualidade, da mortalidade, do tempo. Tudo isso num espaço de poucos parágrafos.
Nos demais textos, aparecem outras marcas conhecidas da obra de Veríssimo, como as crônicas em forma de diálogo ou populadas de personagens ficcionais, estratégia consagrada na série Comédias da Vida Privada; os aforismos irônicos e incisivos ("Só é totalmente livre quem pode exercer a sua vontade sem qualquer limitação moral ou material. Isto é: o tirano"); e o ocasional flerte com o nonsense a crônica que encerra o livro, "Entra Godot", é uma versão alternativa da peça de Beckett na qual o personagem-título resolve dar as caras.
Colegas
Se é difícil captar a essência da crônica, é mais fácil, contudo, fazer uma lista de célebres praticantes do gênero no Brasil, onde a forma alcançou uma popularidade sem igual no resto do mundo. Veríssimo destaca três: Paulo Mendes Campos ("o grande cronista literário do país, o mais profundo", elogia), Rubem Braga ("o mais lírico, despojado, sabia ser simples com encanto") e Antônio Maria. Este, para Veríssimo, ilustrou a infinita versatilidade da crônica com a série Romance dos Pequenos Anúncios, inspirada nos classificados dos jornais.
"Esses textos do Maria são o melhor exemplo de que é possível fazer o que se quiser com a crônica. Ela é a liberdade absoluta", diz Veríssimo, no que talvez seja o mais próximo que se possa chegar de uma definição do gênero.
Humor
Veríssimo exerce esta "liberdade absoluta" desde 1969, quando assumiu a seção de crônicas do jornal gaúcho Zero Hora. O primeiro texto foi sobre a inauguração do estádio de seu time de coração, o Internacional de Porto Alegre. Antes disso, havia desempenhado quase todas as funções possíveis no jornal: "Devido à existência precária do Zero Hora naquela época, era possível ter uma carreira vertiginosa... Eu fui de copidesque a cronista em pouquíssimo tempo. Fiz até horóscopo", orgulha-se Veríssimo, que, em maio deste ano, como parte das comemorações do 47.º aniversário do jornal gaúcho, reassumiu por um dia o posto de astrólogo residente ("Virgem: Não quero estragar seu dia, mas..." começava uma das previsões).
Naquela edição especial do horóscopo, assim como nas crônicas de Em Algum Lugar do Paraíso, Veríssimo mostra que continua um mestre do humor e da concisão.



