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Joca Reiners Terron e André Ducci: linguagens alternadas | Felipe Rosa/Gazeta do Povo
Joca Reiners Terron e André Ducci: linguagens alternadas| Foto: Felipe Rosa/Gazeta do Povo

Opinião

Sem saída, sem redenção

Yuri Al’Hanati, repórter

Não é por acaso que o título do livro de Joca Rainers Terron é Guia de Ruas sem Saída. A falta de esperança e redenção que esse nome guarda não passa despercebida ao longo da história. De um lado, um homem que vai perdendo seus órgãos; do outro, um homem que recebe esses órgãos. A tristeza que conduz a vida desses personagens a ruas sem saída – situações inescapáveis, por assim dizer – é traduzida nas expressões geométricas e sofridas dos desenhos de Ducci.

Mais do que dicotomias, os pares do livro são contrários e se organizam dessa forma: enquanto o primeiro personagem alterna sua narrativa a um fluxo de memória que não esconde um certo tom onírico, o receptor de órgãos, em sua condição terminal, faz uma análise lúcida e fria de seu casamento. Abandonado pela esposa e a filha, o cartunista passa a história conversando com seu reflexo num espelho para não se sentir sozinho, ao passo em que o doente terminal jamais conversa com sua esposa, que lhe acompanha em sua odisseia para conseguir um novo órgão. Portanto, o real e o imaginário, o doador e o receptor, a solidão e a companhia, o diálogo e o silêncio, seguem em paralelo sem nunca se encontrarem, como partes incomunicáveis de um mesmo mundo.

Não são só, entretanto, os desenhos que formam a identidade visual do livro. A escrita instintiva de Terron forma figuras quase gráficas no texto, com repetições de palavras e parágrafos curtos que, junto com as imagens, formam o ar angustiado, triste e depressivo de Guia de Ruas sem Saída.

  • Desenho de André Ducci

"Se há uma coisa em comum em meus livros é que todos eles são diferentes entre si". A afirmação do escritor cuiabano Joca Reiners Terron nunca foi tão válida como agora, em que o autor adiciona à sua bibliografia o híbrido romance Guia de Ruas sem Saída. O livro é uma desesperançosa trama permeada por dicotomias: duas histórias, dois protagonistas – e duas linguagens também. Terron alterna seu estilo peculiar de escrita com os desenhos sequenciais do quadrinista curitibano André Ducci.

Ducci foi convidado pelo próprio autor para dar cara e atmosfera visual a seus dois personagens principais e seus mundos despedaçados – de um lado, um homem sem memória, ex-cartunista, perdido no labirinto de suas ideias malformadas, que se descobre expelindo chips eletrônicos em suas funções fisiológicas; do outro, está um homem debilitado, que viaja para muito longe para receber os órgãos de que precisa para continuar vivo. Enquanto sente sua vida esvair-se, percebe que seu casamento também está em frangalhos.

"Os personagens são alquebrados, então a história precisava ser, de alguma forma, fragmentada também. Os quadrinhos, inseridos em diversas partes ao longo do romance, representam um silêncio narrativo", conta Terron. Segundo ele, o projeto de Guia de Ruas sem Saída nasceu a partir de uma bolsa de criação literária da Petrobrás que contemplou o escritor em 2007 e, desde já, existia a ideia de misturar as linguagens, pelo fato de um dos personagens ser um cartunista. "A princípio, queria eu mesmo ilustrar a história, mas quando o prazo da bolsa foi chegando, no final de 2011, resolvi que a ideia era muito megalomaníaca e resolvi convidar um ilustrador", lembra. O nome de André Ducci, que costuma assinar o roteiro de suas próprias histórias em quadrinhos, surgiu de um outro projeto que ficou inacabado: "Eu era encarregado do projeto da Quadrinhos na Cia. [selo de HQs da editora Companhia das Letras] com a RT Features [produtora do empresário Rodrigo Teixeira], que unia um escritor e um quadrinista para fazer uma história. O Ducci foi um dos no­­mes cogitados, mas o projeto ainda não vingou e acabei reaproveitando o contato com ele para essa parceria".

Para o quadrinista e cartunista, a missão de dar forma a essa história em particular veio de encontro a uma estética que sempre esteve presente em seu trabalho: o corpo humano. "Sempre me interessei por anatomia e cheguei a fazer um curso de ilustração médica. Tenho vários trabalhos nessa linha", conta Ducci, que ganhou uma exposição em Curitiba também graças a seu trabalho de street art "O Anatomista", formado por colagens do corpo humano pelos muros da cidade. Ducci acrescenta que, apesar de ter trabalhado a partir de orientações de Terron, desenhou com liberdade e autonomia: "Não senti dificuldade em adaptar esses personagens para o desenho. Fui criando uma amálgama com a narrativa do Joca e elaboramos assim uma identidade unificada para a história". O escritor completa: "A história tomou outra orientação quando recebi os primeiros desenhos. Todo livro começado é uma experiência sem rumo, e não saber onde ele vai parar é algo de que meu processo criativo se beneficia".

Serviço:

Guia de Ruas sem Saída, de Joca Reiners Terron com desenhos de André Ducci. Edith, 256 págs., R$ 35.

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