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LITERATURA

A palavra sob tensão

Gênero, de provável origem indiana, se consolidou no século 19 e segue forte nas letras mundiais, entrando na era digital

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O conto, como costumava dizer Guilhermino César (1908-1993), seria o signo do homem moderno. O estudioso não foi o único a se referir a esse gênero literário como um dos mais apropriados para o mundo contemporâneo.

Mas, antes de qualquer ponderação, se faz urgente responder a uma pergunta: o que é um conto? A definição de Mário de Andrade é clássica: "Conto é tudo aquilo que o autor quiser chamar de conto."

A frase do escritor modernista pode abrir um sorriso no rosto do leitor, mas não esclarece o problema. Definir o conto é a prova dos nove.

Invertendo o raciocínio, não seria mais fácil dizer o que não é um conto? "Talvez se possa dizer que nem toda a estória breve é um conto. Porque nem toda narrativa breve consegue captar um momento especial em que algo acontece e, se não consegue, não é conto", diz Jane Tutikian, professora de Literatura da Universi­­dade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Então, o conto, como sugere Jane, tem de captar um momento especial em que algo acontece?

Alcir Pécora costuma dizer, nas aulas de Literatura que minis­­tra na Universidade Esta­­dual de Campinas (Unicamp), que o conto pode ser definido como uma narrativa breve, completa em si mesma. "Para que tenha impacto é preciso que o núcleo tensional (do conto) seja uno e poderoso. Ou você tem um nervo a conduzir as ações, ou não tem", define Pécora.

Nervo a conduzir as ações. A argumentação do professor da Unicamp, também resenhista da Folha de S.Paulo, ajuda, e muito, na compreensão do que é ou pode ser o conto. Afinal, os mestres do gênero, seja o russo Chek­hov, o francês Guy de Maupas­­sant, o carioca Machado de Assis e o curitibano Dalton Trevisan, produziram narrativas com "nervos a conduzir as ações."

O conto, que tem a (provável) origem na Índia, começou a se dinfundir no Ocidente no século 12. Pécora explica que o gênero passou a ser delineado, como conhecemos atualmente, a partir do século 19, devido aos textos inventivos de Gogol, Hawthorne, Stevenson. Já no século 20, James Joyce, Franz Kafka e Jorge Luís Borges, entre outros, foram importantes para a orientação contemporânea do gênero.

Na infovia e no papel

Em 2010, há quem publique contos no Twitter, dentro do limite dos 140 caracteres: são os microcontistas e os seus microcontos (leia na página 3).

Mas, ainda no suporte do papel, o gênero se perpetura. O fato de livros de contos não "frequentarem" as listas de mais vendidos significa que o conto estaria em baixa? Pascoal Soto, editor da Leya, analisa que não há muitos livros de contos publicados por causa de dois fatores. Em primeiro lugar, porque são poucos os autores que se dedicam, de fato, à modalidade. Depois, porque o conto é difícil, exige apuro de linguagem.

O catálogo da Leya, empresa portuguesa que funciona no Brasil desde o ano passado, comprova o discurso do editor: dos 30 livros, nenhum é de contos. Mas ele anuncia que, ainda em 2010, serão publicados os contos reunidos do escritor Deonísio da Silva.

Soto, nas entrelinhas, diz o seguinte: há vagas para contistas. Mas é preciso que os contos sejam bons. E quais seriam as referências? Os textos de Dalton Trevisan e Rubem Fonseca, apontados, por ele, e pela maioria dos especialistas consultados como mestres.

A diretora editorial da Record, Luciana Villas-Boas, reconhece que é muito difícil viabilizar a edição de um livro de contos. Mas, completa Luciana, isso não é exclusividade do Brasil: é uma realidade mundial. De toda forma, ela tem uma opinião diferente da de Soto, da Leya. Luciana afirma que o Brasil tem muitos contistas bons. Ela cita Mario Sabino, Alberto Mussa, Miguel Sanches Neto e Cláudia Lage, autores relativamente jovens, todos com livros de conto editados pela Record.

A Cosac Naify também publica inúmeros livros de contos. "A literatura brasileira é especialmente poderosa nos gêneros de fôlego mais curto", diz o diretor editorial, Cassiano Elek Machado.

Eleotério Burrego conta que, em mais de três décadas vendendo livros em Curitiba, aprendeu a gostar de contos com os clientes. O prazer de viajar para um universo ficcional, por meio de poucas páginas, e "tecer mil possibilidades", para Burrego, não têm preço.

Isso diz muito sobre o mundo contemporâneo.

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