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A Partida aborda a morte com leveza

Drama de Yojiro Takita venceu o Oscar 2009 de melhor filme estrangeiro e narra a história de um violoncelista desempregado que assume o trabalho de preparar defuntos para o enterro

Daigo Kobayashi (Masahiro Motoki): profissão estranha que manipula mortos, mas lida mesmo é com a vida | Divulgação
Daigo Kobayashi (Masahiro Motoki): profissão estranha que manipula mortos, mas lida mesmo é com a vida (Foto: Divulgação)

São Paulo - Vendo-se A Partida, de Yojiro Takita, tem-se ideia de como um tema dos mais indigestos pode ser tratado de forma agradável. O filme ganhou o Oscar 2009 de melhor produção estrangeira, derrotando o favorito Valsa com Bashir.

Todos esperavam que vencesse a animação que tem como assunto Israel e a guerra no Líbano, mas a preferência dos "velhinhos da Academia" foi por essa mistura de comédia e drama japonês, que tem como personagem um frágil papa-defuntos.

Daigo Kobayashi (Masahiro Motoki) é um violoncelista que fica sem emprego quando a orquestra na qual toca é dissolvida. Volta, em companhia da mulher, para a cidadezinha do interior onde sua mãe, morta há pouco tempo, lhe deixou uma casa.

A vida lá é mais barata mas, mesmo assim, Daigo é obrigado a procurar emprego. E acha o de preparador de defuntos para o enterro, oficiante de uma cerimônia que faz parte da tradição milenar japonesa. Antigamente, eram as próprias famílias que preparavam seus mortos para a cerimônia fúnebre. Lavavam, vestiam, maquiavam os corpos. Agora ninguém tem mais tempo nem estômago para isso.

O filme parece bastante despretensioso, logo no começo. Vemos o protagonista, no interior de um carro, perguntando-se se é aquilo mesmo que deseja como profissão para exercer até o fim dos seus dias. A paisagem é nublada; o chão, nevado. Vê-se pouco, e é dessa maneira mesmo que o protagonista provavelmente enxerga seu futuro.

Essa estranha profissão manipula mortos mas lida mesmo é com a vida. Não a daquele que já partiu mas com a vida dos que ficaram. Reações de culpa, ressentimentos, ciúmes se avivam no momento em que as pessoas têm de se haver com o corpo morto, antes de desvencilhar-se dele.

Há partidas mais assimiladas, outras mais dolorosas, aquelas que despertam sentimentos ambivalentes, outras que servem de pretexto a disputas familiares por heranças, materiais ou espirituais.

E então entramos num segundo mecanismo, que torna o filme mais esperto e mais complexo – o próprio Daigo tem contas a ajustar consigo mesmo e com um dos familiares.

O curioso é que A Partida toca nesses temas solenes e o faz com todo o respeito. Mas não evita também um registro cômico, a começar por aquele primeiro velório em que Daigo descobre no cadáver da moça linda algo que o surpreende. No entanto, Takita rege esse tom humorístico com muita delicadeza, como sabendo que toca em temas-tabu e não deseja a linguagem da profanação e sim a da descoberta e da sabedoria.

Se certas passagens soam engraçadas é que existe uma espécie de graça nervosa na morte, como se os vivos rissem para disfarçar seu medo do inevitável. Um especialista no assunto, o pensador francês Philippe Ariès (autor do clássico A História da Morte no Ocidente) notou essa presença inesperada do riso em situações de morte, onde ele menos seria esperado. E a interpretou como uma espécie de economia psíquica, que colocamos em uso para exorcizar a sensação de finitude diante dos mortos.

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