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Jazz

A ressurreição do grande (e esquecido) Casé

Pesquisador resgata – em palavras e sons – a epopéia do maior saxofonista de jazz brasileiro dos vibrantes anos 1950

Aos 21 anos, o saxofonista Casé excursionou pelo Oriente Médio e Europa. Tocava em boates e salões de baile | Arquivo/ Gazeta do Povo
Aos 21 anos, o saxofonista Casé excursionou pelo Oriente Médio e Europa. Tocava em boates e salões de baile (Foto: Arquivo/ Gazeta do Povo)

Rio de Janeiro - Quando Charlie "Bird" Parker morreu em 1955, as paredes de Nova Iorque amanheceram grafitadas com o slogan Bird Lives!. Quando o também saxofonista de jazz Casé morreu em 1978, em São Paulo, o jovem Fernando Lichti Barros, com 25 anos, sentiu o ímpeto de grafitar os muros da cidade com um contundente Casé Vive!. Mas Sampa não é Manhattan. Foram precisos 30 anos para que o dublê de músico e jornalista espalhasse finalmente pela internet o seu tributo àquele que foi um dos maiores músicos improvisadores do Brasil. Fernando Barros não se contentou em escrever apenas um livro: Casé: Como Toca este Rapaz!, ainda sem editora. Reuniu também mais de uma hora de música no que batizou de Rádio Casé – um tributo genial à arte do saxofonista, que pode ser acessado (com os capítulos do livro) pelo site www.saxofonistacase.blogspot.com/.

José Ferreira Godinho Filho, o Casé, nasceu em 26 de junho de 1932, em Guaxupé, Minas Gerais: pai e mãe músicos, um irmão trompetista e três irmãos saxofonistas. Aos 10 anos, já tocava bateria com o pai; dois anos depois, soprava saxofone e clarineta em bailes na Usina Junqueira, perto de Ribeirão Preto, São Paulo. Casé fez de tudo numa carreira de rápida ascensão: tocou sob a lona de circos e em salões de baile; nas orquestras de rádio em programas de auditório e no ar enfumaçado dos "inferninhos" dos anos 1950. Aos 21 anos, excursionou pelo Oriente Médio e pela Europa. E encontrava ainda tempo para estudar harmonia, durante dois anos, com o maestro erudito Hans-Joachim Koellreutter, o monstro-sagrado da música de vanguarda no Brasil.

Casé foi desses gênios que jogaram tudo na música. "Tranquilo e introvertido" (Amilson Godoy), "dizia uma frase por ano" (Rubinho Barsotti), era um temperamento errático. Teve a vida marcada por planos irrealizados. Na Europa, convidado para integrar um grupo de jazz, recusou. Pouco antes de morrer, foi convidado pelo maestro Chiquinho de Morais para a Orquestra Bandeirantes. Depois de três ensaios, desapareceu. O Zimbo Trio tentou contratá-lo em caráter permanente, o ajudou até com dinheiro para seu tratamento de úlcera. Sumiu de novo.

Casé recebeu incontáveis convites para se fixar nos EUA ou na Europa. Segundo Rubinho Barsotti, desistia sempre por causa da obsessão de comprar uma casa para a mãe: "Esta foi a grande prisão da vida do Casé." Seu último trabalho fixo foi com Sargentelli, no show Oba-Oba. Dizia que era um ótimo emprego, porque ficava perto de seu apartamento – alugado, pois Casé não conseguiu sequer ter um teto próprio. E acabou morrendo sozinho, e misteriosamente, em 1º de dezembro de 1978, num quarto de hotel na Boca do Lixo, no centro de São Paulo, onde morava havia quatro meses.

Os 66 minutos de programação da Radio Casé dão uma boa amostra do talento do saxofonista. Um de seus improvisos mais elaborados é o clássico de Ary Barroso, "Risque", gravado ao vivo em 1956, com Dick Farney ao piano. Da mesma época são Yesterdays, Out of Nowhere e Copacabana, do álbum Good Neighbors Jazz, reunindo Casé e Moacyr Peixoto com os norte-americanos Major Holley (baixo) e Jimmy Campbell (bateria).

Casé improvisava à vontade tanto nos standards americanos ("But Not for Me", "Don’t Get Around Much Anymore", "Love Walked In"), como no repertório nacional. Em "Feitio de Oração", "Palpite Infeliz" e "Menina Moça", de 1960, ele troca o sax alto pelo tenor. É do mesmo ano "Ensaio de Bossa", que mostra o lado autoral do saxofonista. Em 1968, Bossa na Praia confronta o sax alto de Sadao Watanabe com um Casé arrasador, integrando o lendário Brazilian Octopus. De 1974, da trilha do filme A Virgem de Saint Tropez, a composição de Hareton Salvanini, "Quarto de Hotel" –o título é uma coincidência irônica – traz uma comovida interpretação de Casé, quase em tom de elegia.

São grandes momentos da música instrumental feita no Brasil, em faixas que trazem, além de Dick Farney, Xu (ou Shoo) Viana, Rubinho e Moacyr Peixoto, o saxofonista Carlos Alberto Alcântara, os trombonistas Bil e Iran, os pianistas Paulo Lima de Jesus e Cido Bianchi, os guitarristas Boneca, Alemão e Heraldo do Monte, os trompetistas Buda, Botina, Waldir Arouca e Capitão, o vibrafonista Garoto, os baixistas Luiz Chaves e Gabriel Bahlis e os bateristas Turquinho e Dirceu Medeiros. Heróis esquecidos que se perderam na noite dos tempos em que o jazz moderno – tangido pelo sopro lírico de Casé – mais do que uma aventura cultural, era quase uma experiência religiosa.

Serviço

Rádio Casé: www.saxofonistacase.blogspot.com/

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