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Clássico

À sombra dos Karamázov

Editora 34 publica edição esmerada de um dos romances mais importantes da literatura mundial, a obra derradeira de Fiódor Dostoiévski

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(Foto: Divulgação)

Os Irmãos Karamázov, o último livro escrito por Fiódor Dostoiévski (1821-1881), aquele que sintetiza todos os temas que orientaram sua obra, ganha em português uma tradução direta do russo feita por Paulo Bezerra.

É a primeira a usar como base a edição crítica feita a partir do cotejo que envolveu os manuscritos do autor e as diferentes edições criadas ao longo de quase cem anos – todas sofreram cortes da censura oficial da Rússia. O texto restabelecido saiu nas obras completas em 30 tomos, publicadas entre 1972 e 1990.

Os adjetivos hiperbólicos que pululam pelos cadernos culturais são perfeitos para descrever Os Irmãos Karamázov: seminal, obra-prima, referência, ícone, clássico, imprescindível e o que mais servir para descrever uma história que precisa ser conhecida. A dos irmãos Dmitri (o mundano), Ivan (o intelectual) e Aliócha (o místico), filhos do bêbado inconseqüente Fiódor Pávlovitch Karamázov. Quando o pai é assassinado, Dmitri surge como o suspeito principal – situação que permite a Dostoiévski explorar várias questões morais.

De acordo com Bóris Schnaiderman, Os Irmãos Karamázov é daqueles livros que podem mudar a vida de um leitor. "Porque mexe com as convicções mais profundas das pessoas", diz o pesquisador, que também fez uma tradução do clássico russo nos anos 1940, mas a renegou.

Um dos livros mais importantes da literatura recebeu tratamento adequado pela Editora 34. São 1.040 páginas, divididas em dois volumes condicionados numa caixa, com posfácio e notas do tradutor, mais ilustrações de Ulysses Bôscolo.

Bezerra o descreve como um "romance-panorama que engloba vários aspectos históricos, sociais, ideológicos, psicológicos, religiosos, jurídicos, etc., que, transfigurados no amplo espectro de caracteres e atitudes das muitas personagens que o povoam, personificam a vida na Rússia da segunda metade do século 19".

O trabalho durou mais de três anos. "Primeiro foi uma releitura cuidadosa do romance, o exame microscópico de sua linguagem tanto no aspecto semântico como sintático, do estilo da fala de cada personagem, da imbricação do discurso do narrador com o discurso das personagens, o estudo das notas dos organizadores, a comparação das passagens citadas da Bíblia ortodoxa com suas congêneres na Bíblia católica, enfim, o estudo de todo o arcabouço lingüístico do romance antes de iniciar a tradução", explica Bezerra, que traduziu também Crime e Castigo, O Idiota e Os Demônios, todos de Dostoiévski e publicados pela Editora 34.

"Nas passagens mais complexas em que Dostoiévski mistura o arcaico com o moderno, o russo eclesiástico com o russo comum e dá verdadeiros nós na língua, consultei a tradução do Boris, que ele mesmo condena, e ela me foi de grande valia", diz Bezerra.

Ele também consultou a tradução de Raquel de Queirós, feita a partir do francês para a José Olympio, e a de Oscar Mendes e Natália Nunes, baseada na versão em inglês e publicada pela Ediouro. Mas nenhuma delas serviu de referência. "Ao contrário, quando Dostoiévski dá nó na língua, os tradutores francês e inglês derrapam homericamente, e as versões brasileiras apenas repetem os erros das primeiras traduções."

Difuso

Talvez Crime e Castigo (1866) seja o título mais conhecido de Dostoiévski, o primeiro grande romance filosófico da literatura, mas Os Irmãos Karamázov (1880) é mais complexo e vasto. Nas palavras de Schnaiderman, um é homogêneo, enquanto o outro é difuso – afinal, o escritor teve tempo de escrever somente a primeira parte da saga da família Karamázov e morreu antes de poder continuar a história.

"O tema de Crime e Castigo é o do excluído, no caso o estudante pobre Raskólnikov, que é excluído da universidade porque não consegue pagar as mensalidades, e comete um crime por motivação filosófica", diz Bezerra. "Em Os Irmãos Karamázov, o tema central é o da decadência da nobreza representada pela desintegração moral do patriarca dos Karamázov, sob o pano de fundo de uma filosofia do ‘tudo é permitido’, inclusive o parricídio."

Serviço

Os Irmãos Karamázov, de Fiódor Dostoiévski. Editora 34, 1.040 páginas em dois volumes vendidos numa caixa, R$ 95.

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