Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Cinema

A vida privada de um farsante

São Paulo - A história de Marcelo Nascimento da Rocha parece coisa de cinema. Talvez o estelionatário pa­­­ranaense que assumiu a identidade de várias personalidades, o guitarrista da banda Engenheiros do Hawaii entre elas, tenha se imaginado na pele de um ator hollywoodiano ao criar suas múltiplas personas. Mas, o fato é que um personagem como esse é um achado para cineastas à procura de um bom material para um thriller.

Toniko Melo, no entanto, não estava interessado em dirigir mais um filme sobre um farsante quando decidiu adaptar para as telas o livro Vips – Histórias Reais de um Mentiroso, de Mariana Cantalbiano, que reúne depoimentos concedido pelo criminoso maringaense quando esteve preso no Centro de Triagem de Curitiba, em 2004.

Ainda bem. Com a ajuda do roteirista Bráulio Mantovani, criou uma narrativa sobre um personagem muito mais complexo do que à primeira vista, a despeito de suas aventuras para lá de pitorescas, parece ser o Marcelo real. Seu filme VIPs (confira trailer, fotos e horários das sessões; atenção à data de validade da programação em cinza), ao invés de um thriller, é o que ele chama de "dramédia". Ou seja, faz rir e faz chorar ao investigar a fundo o protagonista vivido por Wagner Moura, buscando nas relações familiares as raízes de seu desvio moral. E faz isso sem, necessariamente, passar a mão em sua cabeça. Ou julgá-lo.

Wagner Moura surpreende mais uma vez ao encarnar um Marcelo que, à medida que os anos passam, nunca deixa de ser o mesmo garoto problemático apelidado de Bizarro pelos colegas e que teme se tornar um Zé Ninguém, como alerta sua mãe, uma cabeleireira que lê avidamente notícias sobre celebridades. É esta relação mãe-filho, muito afetuosa, mas repleta de não-dizeres, que permite compreender o modo como Marcelo moldará sua própria identidade.

É aí, aliás, que mora o perigo. VIPs escorrega ao permitir que o público possa incorrer no velho erro de interpretação de que "a culpa é sempre dos pais". Sim, todos temos neuroses originadas do convívio familiar. O que não nos livra de obedecer às regras da vida em sociedade. Mas, o filme corrige sua curva quando revela o protagonista prevaricando diante de dilemas morais. Como na cena em que o traficante de armas vivido pelo veterano argentino Jorge D’Elia (melhor ator coadjuvante no Festival do Rio) facilmente o convence a continuar trabalhando para ele.

Ou seja, não há um julgamento do personagem, no sentido de vilanizá-lo, mas seus erros não são redimidos. O mérito de Toniko Melo, com a ajuda de um belíssimo elenco, foi conseguir contar uma história em que se sobrepõem, de forma sutil, várias camadas de compreensão.

Pode-se vê-lo como mero entretenimento. Há momentos impagáveis como quando Marcelo dá um show em um bordel de Cuiabá na pele de Renato Russo. E pode-se apreciá-lo como uma investigação sobre a psicologia de um personagem que nos leva a refletir sobre nossas próprias identidades e aspirações.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.