
Liv Ullmann fez Infiel (2000) a partir de um roteiro de Ingmar Bergman, o sueco diretor de Cenas de um Casamento (1973). Há uma epígrafe no filme que, de certa forma, o sintetiza uma frase sobre o fato de a separação ser um evento extremamente doloroso e do qual não é possível se recuperar. Ele deixa marcas que não desaparecem nunca. Na história, a mulher trai o marido com um amigo e isso leva ao rompimento.
Nada a Dizer, novo romance de Elvira Vigna, é narrado por uma mulher que descobre ter sido traída pelo marido. Os dois estão na casa dos 60 anos a amante é duas décadas mais nova e, depois de revelada a traição, tem início uma pendenga dolorosa. Ela, a narradora, quer e não quer perdoar o marido, mas vai entendendo aos poucos que o processo de brigar pelo casamento, de continuar juntos mesmo depois de uma aventura estúpida (de acordo com o homem), pode ser tão traumático quanto o rompimento.
O homem trai a mulher e ela continua com ele, mas sem conseguir superar a traição. Ela não pensa em outra coisa. Quer saber mais, quer detalhes que a ajudem a criar o filme do caso extraconjugal, protagonizado por Paulo e N. A narradora passa em frente a um lugar e lembra que o marido esteve ali com a amante. Fica chocada ao descobrir que ele levou a outra para o mesmo motel que costumam usar para fugir das crianças e do entra-e-sai de pessoas da casa, onde mantinham uma empresa de tradução.
"Sempre cercados de crianças, nunca tivemos paciência com o discurso da indecisão. Sempre, irritados, dizíamos que não se pode ter tudo, e o que se pode ter exigirá esforço", diz a corna (assim ela se refere a si mesma num momento). E manter seu casamento vai exigir um esforço que ela não sabia dimensionar.
Mais difícil do que perdoar, é descobrir o que ela significa para o marido. "A resposta a essa pergunta, o que eu era para ele e que acarretou de lambuja um questionamento sobre o que eu considerava até então uma verdade absoluta sobre o que ele era para mim (meu maior amor) , nós levaríamos cerca de um ano para obter. E se trata de resposta temporária. E é essa a maior e mais certa definitiva resposta. Não o que ela contém. Mas o fato de ser temporária."
A questão tem menos a ver com o sexo fora do casamento e mais com as coisas relacionadas ao fato. Sem nome, a narradora parece não sentir ciúmes. Ela quer entender. "Como alguém pode achar que uma experiência forte, como a de um relacionamento sexual-amoroso, não modifica seus participantes diretos e não afasta deles os que dele são excluídos. (...) Como alguém pode achar que esconder uma coisa importante de alguém que lhe é importante não fará com que essa pessoa importante fique menos importante."
O amor, na visão da protagonista de Nada a Dizer, é uma escolha e você pode lutar por ela ou não. Depois de traída, ela avalia de modo objetivo se deve ou não continuar casada. Se deve ou não continuar investindo numa relação em que já depositou 30 anos de vida. Sua meta, desde sempre, é a proximidade, a possibilidade de sentir paz ao lado de alguém sem se preocupar com "agenda oculta, jogos e cuidados".
A certa altura, ela dá sinais de que está vencida pelo cansaço, quer parar de pensar, vai esgotar todas as possibilidades para ficar sem nenhuma e essa derrota da personagem é também a derrota do leitor. No fim, é preciso escolher ou se deixar corroer pela situação.
Indefectível
Sobre Elvira Vigna. O ensaísta A. Alvarez, autor de A Voz do Escritor, cria a distinção entre voz e estilo e diz que alguns escritores, como Philip Roth (Indignação), abominam o estilo e são donos de uma voz indefectível. Estilo, aqui, seria a preocupação com um texto bonito, com frases, adjetivos, metáforas e afins coisas que estão ali, segundo alguns, para distrair o leitor do que interessa de fato. Com uma voz, o autor pode dar de ombros para os adereços. Elvira tem voz. GGGG
Serviço
Nada a Dizer, de Elvira Vigna. Companhia das Letras, 168 págs., R$ 38.





