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O que é moderno na música? Nem sempre a resposta pode ser encontrada (apenas) na mais recente cantora black americana, no jovem compositor de MPB ou na última novidade do Reino Unido que você tem que ouvir. Às vezes o novo dorme quieto, por anos, numa gaveta com camadas de poeira por cima. Foi de um arquivo, o da gravadora Som Livre, que o titã Charles Gavin garimpou os 25 CDs da série "Som Livre Masters", que chega agora às lojas. No bolo, estão as experimentações de Tom Zé que apontavam para o tropicalismo século 21 que ele faz hoje; o funk-soul brasileiro e atualíssimo de Tim Maia; a bossa-jazz cada vez mais pop do Zimbo Trio; o lounge classudo de Osmar Milito; a sofisticação lúdica das trilhas infantis de "Sítio do Picapau Amarelo" e "Vila Sésamo", que hoje tem sucessores como Palavra Cantada e Adriana Partimpim. Enfim, som moderno.

- Ali no fim dos 60, princípio dos 70, não só na música instrumental como no trabalho de artistas como Jorge Ben ou nos arranjos das cantoras da MPB, havia timbres, batidas, combinações, uma sonoridade que parece que foi feita ontem - avalia Gavin, que nos últimos anos tem se especializado em fuçar arquivos de gravadoras atrás de preciosidades. - Nos anos 90, a banda US3 (de acid jazz), considerada uma das mais modernas da época, gravou "Cantaloup Island", usando o mesmo beat da versão de Osmar Milito, feita 20 e tantos anos antes.

A gravação do pianista a que Gavin se refere está em "... E deixa o relógio andar!", disco lançado em 1971 e um dos destaques da coleção. Boa parte da série, aliás, é formada por grupos de samba-jazz, uma das paixões do baterista do Titãs. Mas eles foram relançados não apenas pelo impulso de fã do organizador.

- Procurei saber que relançamentos eram mais esperados pelo público interessado nesse tipo de disco. Conversei com pessoas no Japão, na Europa e nos Estados Unidos e cheguei aos 25 títulos assim - conta Gavin.

Além dos trios (Sambacana, Sambrasa, Bossa Jazz, Zimbo), quartetos e quintetos do gênero, a série passeia por outras áreas. Tem o Tom Zé ("Nave Maria") e o Tim Maia já citados, e outros como um Marcos Valle fase pop ("Vontade de rever você"), um exemplar do violão inventivo e sem virtuosismos frouxos de Rosinha de Valença, um psicodélico Alceu Valença em seu primeiro trabalho solo ("Molhado de suor"), um time dos sonhos de sambistas no Conjunto A Voz do Morro (formado por, entre outros, Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho e Zé Ketti). Em meio a essas muitas horas de música boa, os CDs que prometem tocar mais fundo trintões e quarentões são os relançamentos infantis.

"Sítio do Picapau Amarelo" causa um certo estranhamento, se pensarmos que é direcionado a crianças. Não por Gilberto Gil e sua música-título ou por "Tia Nastácia", de Dorival Caymmi, que como outras da trilha unem inteligência e um inegável apelo infantil em sua aparente simplicidade. Mas há o concretismo hippie dos Doces Bárbaros ("Peixe"), a densidade suburbana de João Bosco e Aldir Blanc ("Visconde de Sabugosa"), a dureza sertaneja de Geraldo Azevedo ("Arraial dos tucanos") e um ponto de macumba de Marlui Miranda e Jards Macalé ("Tio Barnabé"). Já "Vila Sésamo", em suas doces melodias e arranjos divertidos, fala mais diretamente aos pequenos. Os irmãos Marcos e Paulo Cesar Valle assinam 13 das 14 faixas - uma delas com um terceiro parceiro, Nelson Motta.

- A trilha de "Sítio do Picapau Amarelo" é mais heterogênea e funcionou muito bem com o programa de TV - comenta Gavin. - A de "Vila Sésamo", no sentido musical, é mais infantil. Minha filha de três anos, por exemplo, adorou. O mais importante, porém, é que essas músicas remetem muito fortemente a toda uma época, pelos arranjos, mas também pela sua presença na memória de uma geração. Ele não era assistido só pelas crianças. Eu tinha 14 anos e via sempre! Outro dia pus para tocar numa festa aqui em casa e pessoas da minha idade literalmente começaram a chorar.

"Vila Sésamo" é um dos mais raros do pacote, mas Gavin destaca os de Osmar Milito, Sambrasa Trio (com Hermeto Paschoal e Airto Moreira) e o do Brazilian Octopus (também com Hermeto em sua formação).

- Já vi o vinil do Brazilian Octopus ser vendido por R$ 1.500 reais num sebo em São Paulo. E o de Osmar Milito é ainda mais caro. Simplesmente ninguém tem.

Os relançamentos trazem as capas originais (e as contracapas, no encarte), e fichas técnicas (que em muitos casos mereciam ser mais detalhadas, faixa a faixa). A pesquisa para o "Som Livre Masters" foi feita há cinco anos, mas apenas em 2005 a gravadora deu o sinal verde para o projeto. Dona dos fonogramas das gravadoras RGE, Som Maior e Fermata, a Som Livre tem um acervo mais rico do que sugerido pelo seu perfil atual, mais popular, identificado com as trilhas das novelas e programas da TV Globo. E Gavin garante que outras boas "novidades" podem sair de lá.

- Se tivermos uma segunda leva, o que deve acontecer, tem vários CDs já na lista. Francis Hime, a trilha da novela "Cuca legal", Joelho de Porco...

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