
Em um ano em que a crise financeira internacional se insinua como uma ameaça aos grandes eventos culturais do país, com o fim do Tim Festival, o cancelamento de shows e a perda do patrocínio da Petrobrás pelos festivais de teatro de Curitiba e de Londrina (ainda pendente), os canadenses do Cirque du Soleil despontam na contracorrente. Com o dólar de seu país valorizado, a trupe retorna ao território brasileiro para apresentações em nove cidades, durante uma turnê de um ano e meio que deve passar por países vizinhos e será a maior já realizada na América Latina.
O Cirque du Soleil começa sua viagem por Fortaleza, no dia 11 de junho, e arma a sua tenda em Curitiba só no fim do ano, a partir do dia 4 de dezembro. Depois, ainda segue rumo a Porto Alegre, onde encerra a visita ao país, em maio (veja todas as datas no quadro desta página). Nesta, que será sua terceira turnê por aqui, a companhia colhe do seu repertório de espetáculos itinerantes uma produção criada 13 anos atrás: Quidam. Promete muita teatralidade e grandes números de impacto.
"Vocês estão assistindo aos shows na ordem cronológica. Primeiro foi Saltimbancos, de 1992, depois Alegria, de 1994, e, agora, Quidam, de 1996. Conforme o Cirque vai tendo mais shows, vai criando mais confiança, abrindo maiores fronteiras e tendo mais contato humano", declarou o diretor artístico Robert Mackenzie, na coletiva de imprensa realizada ontem, em São Paulo.
Os jornalistas presentes tiveram um gostinho do que espera o público. Dois artistas da trupe se apresentaram no palco. A primeira, a canadense Érika Lemay, brilhou em dourado em um número ("Hand Balancing") que exigia equilíbrio e flexibilidade, mas cuja graça vinha do componente de dança, realizada por suas pernas, suspensas, enquanto os braços aguentavam o peso do corpo sobre varas.
Érika deixou o tablado para dar lugar ao russo Andrei Roublev e seu "German Wheel", uma performance inspirada em um exercício alemão de ginástica, em que o artista rodopia dentro de uma roda, cujo diâmetro é a extensão de seu corpo. Não são os números mais embasbacantes do espetáculo foram escolhidos para representá-lo por questões práticas de deslocamento de artistas e equipamentos ,mas dão uma idéia do que seja o primeiro ato de Quidam.
Os aplausos mais intensos, obviamente, devem ficar reservados para o desfecho. "O ato final é impressionante. Não há cordas, não tem truques, é totalmente humano. São 15 artistas fazendo performances por dez minutos", revela Mackenzie, criando expectativa.
A linha-mestra do espetáculo é uma garota, adolescente, ignorada pelos pais, que busca mais diversão para sua vida criando um mundo de fantasia, com amigos imaginários e um lado mais sombrio. "A inspiração veio do senhor Franco Dragone, o diretor, quando andava pelas ruas de Nova Iorque e viu passando rostos que ele não encontraria de novo. Ele começou a pensar no século 21, e que as pessoas têm foco menor na família do que nas coisas materiais", comenta Mackenzie.
Quidam estreou no Canadá e foi visto, desde então, por mais de 9 milhões de espectadores em 20 países. Há três brasileiros no elenco de 50 artistas: acrobatas, ginastas, palhaços, dançarinos, cantores e músicos. A demora de 13 anos para que a montagem chegasse ao Brasil se explica, pura e simplesmente, porque "o mundo é muito grande" (palavras de Mackenzie). A aproximação entre o circo canadense e o público brasileiro, porém, já está feita e se mostrou muito bem-sucedida. Tanto que a Time for Fun, empresa que produz o Cirque du Soleil no Brasil, já planeja trazer, daqui a dois anos, o espetáculo Varekai, de 2002, ao país.
Ninguém espera, no entanto, ver outros sucessos, como Love espetáculo em cartaz em Las Vegas, baseado em músicas dos Beatles por aqui. "Tem-se que fazer a distinção entre dois tipos de espetáculos do Cirque du Soleil. Há os itinerantes (Quidam, Alegria, Saltimbancos, Varekai, Dralion, Corteo e Kooza) e outros fixos, que jamais serão itinerantes, porque são apresentados em teatros construídos especialmente para eles", esclarece Fernando Altério, da Time for Fun. "Talvez no futuro dupliquemos shows e quem sabe possamos abrir um teatro em São Paulo para fazer Love", sugere, em tom de brincadeira, o diretor artístico da trupe.



