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Art rock

Além dos limites

Aproveitando a primeira passagem da banda Radiohead pelo Brasil, o G Ideias discute a da experimentação artística no rock-and-roll

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Em um espaçoso quarto no centro de uma grande metrópole, 50 garotos munidos com gravadores de fita coletam uma infinidade de sons saídos da televisão: alarmes, sirenes, disparos de armas, gritos, estilhaços de vidro e explosões. Em plena hora do rush, o pequeno exército sai às ruas, com os gravadores no volume máximo, reproduzindo o som da destruição. O resultado de tal ação sonora é a repetição do caos registrado nas fitas cassete, ao vivo e em cores, diante dos olhos dos 50 garotos.

Publicada em 1969, na revista literária The Evergreen Review, pelo escritor norte-americano William Burroughs –, pilar do movimento beatnik, ao lado de Jack Kerouac – a história em que garotos provocam um motim usando gravadores, sintetizava bem o espírito de um novo tipo de rock que começava a surgir naquela época.

Os tradicionais três acordes que deram origem ao gênero, no início dos anos 1950, já não pareciam suficientes desde o lançamento de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, em 1967, em que os Beatles incorporavam uma vasta gama de influências sonoras e inovavam ao criar um álbum conceitual.

A música que antes nascia em garagens de subúrbios e era tocada por rapazes iletrados, chegou às universidades na década de 1970. Chuck Berry e Bo Diddley foram substituídos por Bach e Beethoven na lista de influências incorporadas ao rock pelas bandas da época. Canções que ultrapassavam dez minutos de duração e que traziam solos intermináveis de teclados eram a regra do rock progressivo, também chamado de art rock.

Na Alemanha, o krautorock rompia com a característica melódica do rock ao beber na fonte do minimalismo e do atonalismo. "Concordo com Burroughs. Não gostaríamos de fazer isso, mas estamos cientes de que é possível", declarou, na época, Florian Schneider, um dos fundadores da banda alemã Kraftwerk, em entrevista ao crítico norte-americano Lester Bangs, que mencionou ao músico a história escrita pelo beatnik, sobre criar a revolução usando gravadores.

Ao longo das décadas seguintes, o experimentalismo no rock adotou formas diversas. Mas, da cena no wave nova-iorquina, passando pelo shoegazer britânico dos anos 1990, até desembocar no atual pós-rock, o princípio é o mesmo: romper com padrões vigentes. Assim, timbres e texturas passam a ter mais mais importância do que melodias e versos; repetições e colagens sonoras passam a servir de bases, muitas vezes, substituindo os próprios instrumentos; vocais deixam de ser imprescindíveis e as letras nem sempre podem ser facilmente compreendidas. "Hoje, o art rock é o rock com pretensões, sejam elas saudáveis ou não. Todas as bandas rotuladas por essa definição têm em comum o desejo de expandir os limites do rock por meio da experimentação", explica o jornalista e DJ paulistano Dago Donato.

Exemplos de grupos seguidores dessa corrente estão por todas as partes do mundo – da banda islandesa Sigur Rós à brasileira Hurtmold. A experimentação de alguns chegou inclusive ao mainstream. Para muitos, a sonoridade da banda inglesa Radiohead representa a síntese do que seria o art rock nos dias atuais. "Hoje é difícil encontrar uma proposta nova, que seja consistente. Quem chegou mais próximo disso foi o Radiohead, que, em alguns discos, negou o pop e continuou com essa aura criativa e não muito assimilável", analisa o jornalista e crítico musical Tárik de Souza.

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Serviço

Festival Just a Fest – Shows com Radiohead, Kraftwerk e Los Hermanos. Dia 20 de março, no Rio de Janeiro (Praça da Apoteose) e dia 22 de de março, em São Paulo (Chácara do Jóquei). Os ingressos custam R$ 200 e R$ 100 (estudantes) e estão à venda no site www.ingresso.com. Classificação indicativa: 16 anos.

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