
Em 2096, o Rio de Janeiro que vemos na tela em Uma História de Amor e Fúria é uma cidade que se parece com a Los Angeles de Blade Runner O Caçador de Androides, de Ridley Scott. Na animação, longa de estreia do roteirista Luiz Bolognesi (de Bicho de Sete Cabeças e Chega de Saudade), que chega nesta sexta-feira aos cinemas brasileiros (mais informações na página 9), a Cidade Maravilhosa é ao mesmo tempo apocalíptica e hightech, controlada por milícias que enchem os bolsos traficando água, que se tornou um bem precioso: o planeta chegou à exaustão em decorrência dos abusos cometidos pelo homem.
Nesse cenário sombrio, um jornalista que desistiu de salvar o mundo, e não acredita mais na justiça, contenta-se em pagar pelo amor da mulher que ama, Janaína. A vida de ambos está à beira de um abismo. Mas não é a primeira vez que isso acontece. Em 1566, quando os portugueses começavam a ocupar o território brasileiro, a dupla, então um apaixonado casal de índios tupinambás, iniciou uma história de amor (e tragédia) sem fim, que atravessa gerações e momentos-chave na trajetória do país.
Com as vozes de Selton Mello e Camila Pitanga, ele e ela vivem toda sorte de provações. No século 16, Janaína é morta em um confronto com os colonizadores. O protagonista, então um guerreiro, se transforma em um pássaro e "voa" para o futuro. Em 1800, entretanto, os dois voltam a se encontrar, e, a partir de então, assumem, através do tempo, novas formas humanas, sempre reunidos pela força de um sentimento à prova do tempo.
O romance passa pela escravidão, pela revolta da Balaiada, ocorrida no Maranhão entre 1838 e 1840, e pelo regime militar. Em todas essas épocas, o casal enfrenta e tenta resistir, por vezes em vão o autoritarismo e a opressão, que também se reinventam ao longo do tempo.
Uma História de Amor e Fúria é um filme corajoso ao adotar uma visão da história brasileira que dá destaque a movimentos de contestação, ainda que fracassados, por muito tempo relegados ao segundo plano pela versão oficial dos fatos. E os exalta, sem se tornar panfletário ou didático.
Graças a uma trama bem construída, envolvente, e a personagens delineados com esmero, que ganham complexidade, mesmo com novas identidades com o passar dos séculos, Uma História de Amor e Fúria tem muitos méritos narrativos e visuais calcado nos animes japoneses e na estética das graphic novels, é, em grande parte, desenhado em papel.



