Um dos assuntos mais comentados na última semana pela imprensa cultural foi a inesperada derrota de O Segredo de Brokeback Mountain no Oscar. Apesar de ter levado três estatuetas melhor direção (Ang Lee), roteiro adaptado e trilha sonora , o western gay foi superado por Crash No Limite na categoria principal, a de melhor filme, na qual era apontado como franco favorito.
Independentemente de ter sido feita justiça ou não, o fato é que, através dos 78 anos de história da premiação, inúmeros títulos foram subestimados, preteridos ou ignorados pelo Oscar. Como todos os cerca de seis mil integrantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood têm direito a voto, nem sempre o favorito ao prêmio acaba levando a melhor e surpresas podem acontecer.
Um dos casos mais notórios foi a inesperada vitória, há exatos 50 anos, de um pequeno filme independente (como Crash) chamado Marty. Contando as aventuras e desventuras amorosas de um açougueiro italo-americano do Bronx, gordo e baixinho, o filme do até então desconhecido Delbert Mann, também premiado com a estatueta de melhor direção, bateu uma concorrência pesada: Suplício de uma Saudade, Mister Roberts, Férias de Amor e A Rosa Tatuada. A produção, de quebra, transformou em astro, da noite para o dia, o seu ator principal, Ernest Bornigne, antes apenas considerado um coadjuvante competente.
O triunfo de Marty, um bom filme, cujo grande mérito foi trazer para a tela os pequenos dramas cotidianos da classe trabalhadora nova-iorquina, também ofuscou, pelo menos à época, uma outra produção, fadada a entrar para a história do cinema de forma muito mais definitiva do que os cinco indicados a melhor filme juntos: o hoje clássico Juventude Transviada, de Nicholas Ray.
Considerado por muitos críticos uma obra seminal sobre a adolescência no cinema, o longa-metragem, grande sucesso comercial, não chegou a ser ignorado pela Academia. Mas, certamente, não recebeu a atenção merecida. Conquistou três indicações: melhor diretor, atriz coadjuvante (para Natalie Wood), ator coadjuvante (Sal Mineo). James Dean foi indicado postumamente a melhor ator, mas por Vidas Amargas (também de 1955), de Elia Kazan, e perdeu para Bornigne.
O fato de ter saído da festa do Oscar com as mãos abanando, ou de não ter sequer sido indicado a melhor filme, não impediu que Juventude Transviada seguisse seu caminho e fizesse história. Não apenas continua presente no imaginário do público na condição de referência de ousadia e profundidade, mas, também, é hoje infinitamente mais lembrado por público e crítica do que Marty e seus concorrentes.
Nos últimos 50 anos, muito por conta da mitologia criada em torno de James Dean, morto em setembro de 1955 em um trágico acidente automobilístico, Juventude Transviada deixou de ser apenas um filme. Ganhou dimensões de ícone cultural. Principalmente por ter sido, possivelmente, a primeira obra cinematográfica a mostrar os Estados Unidos do pós-Segunda Guerra Mundial sob o ponto de vista de adolescentes submetidos a uma sociedade conservadora e puritana.
Tanto quanto seu enredo, os bastidores de Juventude Transviada foram, ao longo dos anos, tema de reportagens, rumores, mitos e especulações. Na tentativa de separar fato de ficção e saciar a curiosidade de novos e velhos fãs do filme, os críticos de cinema Lawrence Frascella e Al Weisel, grandes admiradores da obra de Nicholas Ray, escreveram o livro Live Fast, Die Young: The Wild Ride of Making Rebel without a Cause (Viva Rápido e Morra Jovem: a Selvagem Jornada de Realização de Juventude Transviada, em tradução livre), recém-lançado no mercado norte-americano.
No processo de pesquisa, os autores conversaram com quase todos os participantes da produção dos atores ainda vivos ao responsável pelos carros utilizados no filme. Algumas das descobertas feitas pelos jornalistas são fascinantes, esclarecendo, desmentindo ou confirmando muito do que já foi dito.
Affair
Uma das principais revelações trazidas pelo livro é a confirmação de que Natalie Wood teve um caso amoroso com Ray durante as filmagens. A atriz, que iniciou sua carreira ainda na infância, em filmes como o clássico natalino O Milagre na Rua 34 (1947), tinha apenas 16 anos e buscava desesperadamente um papel que pudesse mudar sua imagem, dando-lhe uma faceta mais adulta. No entanto, o cineasta, então com 43 anos, não tinha certeza de que ela fosse o nome certo para o papel de Judy, uma garota com sérios problemas de relacionamento com os pais, que busca, a todo custo, encontrar na rua o carinho inexistente em casa.
Segundo o livro, Ray achava que Natalie era "Hollywood demais" para Juventude Transviada. A atriz só ganhou o papel ao envolver-se, bêbada, em um acidente de carro em uma movimentada via de Los Angeles. Sua aura angelical havia sido quebrada e o diretor passou a ver nela uma delinqüente potencial.
Para que pudesse encarnar Judy de maneira convincente, Ray submeteu a jovem atriz por um processo de transformação, que incluiu desde aulas de dicção, de postura e andamento, até medidas mais prosaicas, como o uso de um sutiã especialmente desenhado para ela, que deu à adolescente uma aparência mais adulta e voluptuosa. O diretor providenciou, inclusive, enchimentos para os quadris de Natalie, que, segundo ele, eram estreitos demais. Essas limitações físicas, entretanto, não impediram que a jovem atriz terminasse sua preparação para o filme na cama do diretor, garante Live Fast, Die Young: The Wild Ride of Making Rebel without a Cause .
Beijo proibido
Tudo leva a crer que o primeiro roteiro de Juventude Transviada, escrito por Ray, Irving Schulman e Stewart Stern, continha uma cena de beijo entre James Dean (Jim) e Sal Mineo (Plato), mas a ousadia teria sido cortada pela raiz por Steve Trilling, executivo da Warner, estúdio que produziu o filme.
Não é novidade que os anos 50 foram uma era de mudanças, mas ao mesmo tempo profundamente conservadora, na qual todo e qualquer filme tinha de ser submetido ao crivo do Código de Produção, conjunto de normas que determinava o que não poderia aparecer na tela. Beijos entre pessoas do mesmo sexo ou mesmo relações inter-raciais eram proibidas terminantemente.
Essa limitação, contudo, não impediu que a relação entre Jim e Plato tivesse fortes conotações homoreróticas. Há no filme várias pistas sobre a orientação sexual do personagem de Mineo, como a foto do ator Alan Ladd, um galã da época, colada na porta de seu armário de escola. Praticamente criado apenas por uma empregada negra, Plato é negligenciado pelos pais e vê em Jim, um rapaz mais forte e seguro, a possibilidade de ter alguém que o proteja. Isso é evidenciado na cena em que convida o amigo para "passar a noite" com ele, algo até então inédito entre dois personagens masculinos no cinema da época.
Ao contrário de Dean, cuja sexualidade permanece alvo de especulações constantes, Mineo, assassinado em 1976 por um garoto de programa, aos 37 anos, jamais escondeu ser gay. Chegou a admitir publicamente ter se apaixonado por Dean durante as filmagens de Juventude Transviada.
O relacionamento entre Nicholas Ray e James Dean também não teria sido dos mais pacíficos. O ator tinha sérios problemas com o pai e enxergou no diretor uma espécie de figura paterna substituta, com quem sentia-se no direito de falar, discutir e brigar quando bem entendesse. Tanto que, conta Live Fast, Die Young: The Wild Ride of Making Rebel without a Cause, Dean desapareceu "para nunca mais voltar" assim que a filmagem de Juventude Transviada teve início. Foi para Nova Iorque, decidido a abandonar o projeto porque não concordava com a direção de Ray.
O livro conta que, durante a seqüência na qual Jim e Buzz (Corey Allen) enfrentam-se na antológica luta de facas, Dean teria tido uma síncope nervosa quando o diretor gritou "Corta!". Depois de vários takes, Dean havia sido ferido e sangrava, mas queria continuar a todo custo. "Não se atreva a interromper quando eu estiver tendo um momento. É para isso que estou aqui", gritou o ator no set. O clima de tensão chegou a tal ponto que o jornal Los Angeles Herald-Examiner estampou, em letras garrafais, a seguinte manchete: "Dean aterroriza set de filmagens".
Jaqueta
Outro detalhe curioso esclarecido pelo livro de Lawrence Frascella e Al Weisel é a origem da já emblemática jaqueta vermelha de James Dean no filme.
Como Juventude Transviada começou a ser rodado em preto-e-branco, não havia maiores preocupações com cores e outros detalhes de figurino. Com a mudança para o technicolor, Ray conseguiu convencer Dean a não usar óculos o ator era míope , mas a jaqueta só foi incorporada ao guarda-roupa do personagem quando o figurinista Moss Mabry viu um jovem ator desempregado em frente a porta do escritório de Nicholas Ray, envergando uma vestimenta similar. Foi como um insight: Mabry saiu correndo, foi até o Departamento de Figurinos da Warner e, com uma bobina de náilon vermelho, mandou confeccionar três jaquetas. Todas desapareceram depois do término das filmagens. Devem valer uma fortuna se ainda existirem.



