Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
opinião

Anticristo: doloroso e relevante

Sexo e morte se entrelaçam em Anticristo, estrelado por Charlotte Gainsburg e Willem Dafoe | Divulgação
Sexo e morte se entrelaçam em Anticristo, estrelado por Charlotte Gainsburg e Willem Dafoe (Foto: Divulgação)

Não é com prazer que se assiste a Anticristo (assista ao trailer e veja fotos), no­­vo filme de Lars von Trier, que estreou na sexta-feira em Curitiba. É uma obra radical, sem quaisquer concessões ao público. Portanto, é difícil recomendá-lo a quem não esteja familiarizado com a obra do cineasta dinamarquês.

O enredo tem como ponto de partida uma perda. Avassa­la­dora. Um casal, enquanto faz se­­xo, não vê o filho sair do berço e encaminhar-se a uma janela aberta, de onde voa para a morte. Ao som da ária "Lascia Ch’io Pi­­an­­ga", da ópera Rinaldo, de Händel. Esse é o prólogo da trama, filmado de forma magistral por Von Trier.

A dor de não saber (ou de ter sublimado) que, enquanto entregava-se ao prazer carnal, o filho caía do prédio, tem um efeito de­­vastador sobre a mãe (que não tem nome). Ela (Charlotte Gains­­burg, vencedora do prêmio de melhor atriz em Cannes, com toda justiça) mergulha em estado de depressão profunda. Enquanto isso, o pai (Willem Dafoe, também em grande atuação) tenta ajudá-la a sair do fundo poço.

Juntos irão à casa de campo do casal, imersa nas profundezas de uma floresta chamada Éden, nu­­ma alusão (óbvia) ao paraíso perdido por Adão e Eva, um lugar apa­­rentemente idílico que aos poucos revela-se cruel. É a encarnação de Satã, diz a mãe em luto.

Von Trier, talvez em seu filme mais simbólico, revisita o livro "Gênesis", do Antigo Testamento, mas também fala sobre a imolação da mulher através da história da humanidade, tema que sua protagonista vinha pesquisando para uma tese´que pretendia escrever e não conseguiu.

De certa forma, o diretor retoma uma temática recorrente na maior parte de seus filmes: o martírio feminino. Presente em Ondas do Destino, Dançando no Escuro e Dogville. Em Anticristo, a personagem central está convencida que carrega, como Eva, o pecado original. E, ao enfrentar a dor da perda do filho, pela qual se culpa, percebe que só conseguirá sobreviver, continuar, se seu sofrimento emocional se ma­­terializar no plano físico. E es­­se mesmo castigo impõe ao ma­­ri­­do, que ela acusa de sempre ter sido distante e, portanto, in­­ca­­paz de imaginar o que ela está passando. Quer que ele sinta o que ela sente.

Essa comunhão se dá pelo sexo e pela violência física, que se fundem em um único ritual.

Penoso de ser assistido, Anti­cristo é uma obra à qual não se consegue ficar indiferente. Se é bom ou ruim, é uma discussão ir­­relevante até certo ponto. É uma grande e árdua experiência. Mas muito interessante e provocativa, por outro lado. Há tanto na trama como em sua construção visual ecos do cinema de Andrei Tarkovski, sobretudo de Stalker e O Sacrifício. Não à toa, o cineasta russo é homenageado nos créditos finais.

Para alguns, será o que faltava para confirmar a hipótese de que Von Trier é um artista misógino, obcecado pelo sofrimento feminino. Não endosso essa teoria: é simplista demais. GGG1/2

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.