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Ben Kingsley em Fatal, baseado em O Animal Agonizante | Fotos: Divulgação
Ben Kingsley em Fatal, baseado em O Animal Agonizante| Foto: Fotos: Divulgação

Portnoy

"Ela estava tão profundamente entranhada em minha consciência que, no primeiro ano na escola, eu tinha a impressão de que todas as professoras eram minha mãe disfarçada. Assim que tocava o sinal ao final das aulas, eu voltava correndo para casa, na esperança de chegar ao apartamento em que morávamos antes que ela tivesse tempo de se transformar. Invariavelmente ela já estava na cozinha quando eu chegava, preparando leite com biscoitos para mim. No entanto, em vez de me livrar dessas ilusões, essa proeza só fazia crescer minha admiração pelos poderes dela. Além do mais, era sempre um alívio não surpreendê-la entre uma e outra transformação – muito embora eu jamais deixasse de tentar; eu sabia que meu pai e minha irmã nem faziam ideia da natureza real de minha mãe, e o peso da traição que, imaginava eu, recairia sobre meus ombros se alguma vez a pegasse desprevenida seria demais para mim, aos cinco ano de idade."

Trecho de O Complexo de Portnoy, de Philip Roth. Tradução de Paulo Henriques Britto.

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Philip Roth ganhou o Prêmio Nacional do Livro por sua estreia, Adeus, Columbus (1959). Mal-e-mal comparando, é o equivalente americano do Jabuti no Brasil, dado pela Câmara Brasileira do Livro. O escritor tinha apenas 26 anos.

Uma década e dois romances depois, ele publicou O Complexo de Portnoy, colocou a obscenidade na mesa e ficou milionário. A narrativa é uma confissão verborrágica de Alexander Portnoy, um judeu americano que tem dificuldades para lidar com seus impulsos sexuais. Quanto mais os reprime, mais perversos eles se tornam. Portnoy conta suas desventuras e obsessões para um analista, o doutor Spielvogel.

Agora, o livro faz 40 anos e, se não choca da mesma forma que fez nos anos da contracultura, continua sendo um romance arrebatador. Uma viagem pelas neuroses de um adulto que ainda não se livrou das influências da mãe e do pai. Incapaz de assumir um compromisso com qualquer mulher, ele pula de cama em cama tentando – ou fingindo que tenta – encontrar uma que dê conta de seus desejos e também seja uma garota de família, do tipo que se pode apresentar para os pais num almoço de domingo.

Na ficção, Portnoy acabou virando nome de um "quadro mórbido caracterizado por fortes im­­pulsos éticos e altruísticos em constante conflito com anseios sexuais extremos, muitas vezes de natureza pervertida". Já se falou tanto da pornografia contida no livro que fica difícil corresponder as expectativas de um leitor de hoje. Dá para dizer, por exemplo, que qualquer coisa do Marquês de Sade (século 18) ou de Georges Bataille (na primeira metade do 20) é muito mais picante que o texto de Roth. Mas ele tem seus momentos.

A questão para a época não foi apenas o erotismo – embora ele tenha ajudado e vender o livro. "O tema de Portnoy, como convém, era a rejeição do dever e a tentativa determinada e fútil do herói de se libertar da responsabilidade e da culpa", escreveu Michiko Kaku­­tani, do New York Times. A crítica diz que o método de Roth envolve usar a própria vida e a carreira como assuntos, reinventando ambas e dando a elas a dimensão de um mito literário.

"Estava à procura de coisas que cristalizassem uma experiência vaga e nevoenta. Acho que escrever é como representar, fingir. Por que fiz Zuckerman (protagonista de vários livros do autor, começando por Diário de uma Ilusão) ter minha idade? Porque sei o que significa ser desta geração. Por que fazer com que Zuckerman escreva aquele tipo de livro? Porque sei acerca daquele tipo de livro e suas consequências. Mas é linguagem e sensibilidade moral que transformam uma experiência crua em ficção", disse Roth ao Times no início dos ano 80.

O Complexo de Portnoy forneceu o primeiro esboço do que seria um personagem típico da literatura de Roth. Nas palavras de Kakutani: "Brilhante, sensível e dolorosamente autocrítico, um desses filhos protegidos de judeus da baixa classe média, divididos entre o dever e o desejo, necessidades de menino e aspirações do homem, lealdades de família e obrigações estéticas. Sentem-se dominados por mulheres predatórias e pais severos e ainda são assediados por suas próprias consciências cheias de culpa".

Além de obsceno, Portnoy é muito engraçado. Às vezes, é preciso interromper a leitura por causa das gargalhadas. O problema é que todas as cenas divertidas são pornográficas demais para citar aqui.

Cinema

Pelo sucesso editorial e a polêmica que causou, O Complexo de Por­­tnoy demorou apenas três anos para ganhar uma adaptação para o cinema. O filme foi es­­cri­­to e dirigido por Ernest Leh­­man (1915-2005), um roteirista dos grandes, autor de Intriga Inter­­nacional, do Hitchcock, Quem Tem Medo de Virginia Wo­olf?, com Eli­­zabeth Taylor e Richard Burton.

Roth nunca teve muita sorte com o cinema – embora a versão para Adeus, Columbus (1969) seja considerada boa.

Mais recentemente, Anthony Hopkins e Nicole Kidman estrelaram Revelação (2003), baseado em A Marca Humana, recebido com frieza pelo público e pela crítica.

Tido como um autor que não costuma se importar com suas personagens femininas, é curioso que o melhor filme feito a partir de um livro de Roth seja o único que foi dirigido por uma mulher, a espanhola Isabel Coixet.

Fatal (2008) leva às telas O Animal Agonizante e coloca sir Ben Kingsley no papel de David Kepesh, um dos célebres alter egos de romancista, às voltas com a paixão que sente pela cubana Consuela, vivida por Penélope Cruz. Figura apaixonante, ela é talvez uma exceção no universo masculino do autor.

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