
Rio de Janeiro - Neto de húngaros e poloneses de origem judaica, Paul Leonard Newman, morto na última sexta-feira de câncer no pulmão, estreou nos cinemas num filme do qual passou 54 anos tentando se esquecer. Era O Cálice Sagrado, dirigido por Victor Saville, em 1954. Em seu primeiro trabalho nos cinemas desde sua estréia na tevê, em 1952, o ator então um garotão de 29 anos, cujos olhos azuis viriam a amolecer pernas e corações de gerações de fãs vivia Basil, um escravo que teria moldado o cálice usado por Cristo na Santa Ceia. Newman tinha tanta vergonha do resultado final de sua atuação como Basil que, em certa ocasião, quando a produção (de arrastados 142 minutos) foi exibida na tevê, em episódios, ele publicou um anúncio no jornal Los Angeles Times dizendo: "Paul Newman pede desculpas por todas as noites esta semana".
Para o público arrebatado por ele em suas atuações inesquecíveis, como as de Gata em Teto de Zinco Quente (1958), Butch Cassidy (1969) e Golpe de Mestre (1973), esse desprezo por obras que desdenhavam da inteligência da platéia, como O Cálice Sagrado, contribuiu para alimentar o refinamento artístico associado a seu nome. "A indústria do cinema é pura loteria", dizia, num exercício de autocrítica. "Não dá para a gente se orgulhar do que conseguiu quando a maioria dos acertos se deve mais à sorte do que ao talento, ou quando o sucesso nada tem a ver com o talento, e sim com a aparência."
Ganhador de honrarias como o Oscar especial Jean Hersholt, dado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood a astros ligados a causas humanitárias, Newman acreditava que, quando se compra um ingresso, há muito de sorte por trás do que vai ser visto na telona. "Sorte e aparência. Essas são as coisas que realmente fazem de você um rei neste país." Ele tinha o direito de falar isso, uma vez que tinha sorte e boa aparência de sobra.
Nascido em Shaker Heights, Ohio, em janeiro de 1925, Newman fez 54 longas para o cinema, além de 30 trabalhos para a tevê, em diferentes formatos. De seus 84 exercícios como ator diante da câmera, poucos tiveram uma fama tão ruim quanto a de O Cálice Sagrado. Até em filmes-pipoca como Inferno na Torre (1974), sua maneira de interpretar, ressaltando com sutileza os dilemas psicológicos de seus personagens, ganhou a simpatia dos críticos.
Ainda na década de 1950, ele alcançou respaldo estético ao ganhar um prêmio de melhor ator no Festival de Cannes por O Mercador de Almas, de Martin Ritt, que viria a dirigi-lo em mais cinco longas, incluindo pérolas como Quatro Confissões (1964). Apesar de ter estudado na renomada Yale Universitys School of Drama, foi em solo nova-iorquino, no Actor's Studio, que ele lapidou seu talento. A escola de interpretação era dirigida pelo professor e também ator Lee Strasberg (1901-1982), que doutrinou uma leva de grandes astros americanos a partir de preceitos dramáticos delineados pelo teórico russo Konstantin Stanislavski (1863-1938). Por lá passaram titãs como Al Pacino, Dustin Hoffman e, antes deles, Marlon Brando.
Newman foi indicado dez vezes ao Oscar, a partir de 1959, com Gata em Teto de Zinco Quente, sem contar o troféu com que a academia o presenteou em 1986 pelo conjunto da carreira. No entanto, de todas as vezes em que ouviu frases do tipo "And the winner is..." ou "And the Oscar goes to..." na categoria melhor ator, apenas uma se converteu numa estatueta: em 1987, ele ganhou o prêmio ao viver o jogador de sinuca Eddie Felson em A Cor do Dinheiro, de Martin Scorsese. Nesse filme, ele resgatou um de seus papéis mais marcantes, uma vez que já havia interpretado Felson em Desafio à Corrupção (1961), de Robert Rossen.
Em 1961, Newman se arriscou pela primeira vez na direção, filmando o média-metragem On the Harmfulness of Tobacco, baseado na peça Os Malefícios do Tabaco, de Checov. Nos filmes, a estréia como realizador foi com Rachel, Rachel, de 1968, que concorreu a quatro Oscars, incluindo o de melhor filme. Joanne Woodward era a protagonista do projeto. Em seguida ao sucesso da produção, o astro assinou as produções Uma Lição para não Esquecer (1971), O Preço da Solidão (1972), Esperança, Vida e Morte (1980), Meu Pai, Eterno Amigo (1983) e À Margem da Vida (1987).
A última vez que seu rosto foi visto nas telonas foi em Estrada para Perdição (2002), de Sam Mendes, que lhe valeu uma indicação ao Oscar de melhor ator coadjuvante.





