
No começo de março, Lenora Pedroso chegou ao Museu Municipal de Arte (Muma), no Portão Cultural, acompanhada da mãe, Leyla, e da irmã, Daniela.
Elas começariam a curadoria da exposição Domicio para Sempre, em homenagem ao pintor paranaense que morreu no ano passado aos 83 anos. Domicio Pedroso é pai de Lenora e Daniela e marido de Leyla.
Veja imagens da exposição Domicio para Sempre
Elas estavam aflitas, sobretudo Lenora, que é diretora de museu – o de Arte Contemporânea do Paraná. A aflição tinha a ver com a curadoria.
A única certeza era que Rua do Comércio (1957), um dos primeiros trabalhos do artista, premiado no Salão Paranaense, deveria fazer parte da mostra.
“Chegamos num sábado aqui e achamos que trabalharíamos a tarde inteira. Mas, partindo desse quadro, surgiu uma linha. E foi natural. Em uma hora tínhamos feito a curadoria”, conta Lenora.
Na tela, vemos a famosa Rua do Comércio, no Rio de Janeiro, fruto de uma temporada de seis meses que Domicio viveu na cidade. No retrato, duas pessoas conversam e é possível detectar, claramente, os detalhes do casario, em um estilo que destoa do trabalho que ele seguiu depois.
A ruptura ocorreu depois dos estudos em Paris, de 1958 a 1962: tanto que, na sequência da mostra, vemos essa mudança em Inverno em Paris, de 1961. “Percebemos a rua e os vãos, mas é um trabalho de claro e escuro”, explica a filha.
Paris abriu a cabeça do pintor: finalmente, ele pôde ver de perto os mestres que estudou pelos livros na Escola de Música e Belas Artes do Paraná (Embap).
“Ele voltou com a predileção para abstrair o tema preferido dele, que eram as construções e as favelas”, diz Lenora. O estudo era mais “vivo”, relembra Leyla, que foi com o marido e com Lenora, ainda bebê de colo, para a capital francesa. “Aqui, ver obras dos mestres era só por livros, e muito mal impressos.”
Influenciado pela cidade, ele também retratou os vitrais das igrejas. Mas logo mergulhou no tema que explorou ao longo da vida: as favelas.
Em uma das conversas com o pai, Lenora descobriu que Domicio encontrou um artista que o convidou para retratar, in loco, uma favela (na época, ainda se sentava com o cavalete ao ar livre para pintar). “Ele me contou que foi marcante ver aquelas construções, lado a lado, coloridas, pequenas. Foi o início de seu interesse pelo tema”, diz.
O que vemos na sequência da exposição são as pinturas das construções, mais evidentes a partir do final da década de 1960. E com infinitas possibilidades de tratamento: há quadros com linhas mais soltas, outros, como Paisagem Urbana (1994), trazem traços pretos pronunciados, que marcam bem as formas.
Num trabalho ao lado, do ano anterior, o azul remete a uma paisagem noturna. “Ele dizia que, a cada quadro que concluía, surgia uma ideia de fazer de outra forma. É quase uma superação do trabalho. Quanto mais se trabalha num tema, mais ideias surgem”, diz Lenora.
Em seu trabalho final, Última Favela (2013), há uma surpresa: Domicio destacou cores não usuais em seu trabalho, como um amarelo e um verde vivos. “Ele já fazia muito esforço para pintar, e me surpreendeu essas cores bem diferentes”, diz Lenora.
Domicio foi um artista de produção intensa, apesar de ter trabalhado por anos como produtor cultural.
A ocupação, entretanto, foi o que permitiu fazer o que quisesse na arte.
Dificilmente elaborava encomendas ou entregava algo que o público ou mercado pedisse.
“O que acontece com artistas que precisam viver da arte é que, de repente, a pessoa precisa fazer o que é esperado, o que pode deturpar um pouco a trajetória do artista. Ele teve a felicidade e a liberdade de fazer o que queria, mesmo que não fosse tão compreendido”, diz Lenora.













