Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Visuais

Artista nada, sou pintor

Três dos precursores da arte moderna no Paraná se reuniram com a reportagem do Caderno G para um bate-papo animado sobre a pintura, processo de criação e a produção artística no Paraná

Da esquerda para a direita:  os pintores Antonio Arney, Fernando Velloso e João Osorio Brzezinski | Marcelo Elias/Gazeta do Povo
Da esquerda para a direita: os pintores Antonio Arney, Fernando Velloso e João Osorio Brzezinski (Foto: Marcelo Elias/Gazeta do Povo)

Eles não gostam de ser chamados de artistas plásticos. "É coisa muito sofisticada", diz Antonio Arney. "O Frank Sinatra disse aqui no Brasil: ‘eu não sou artista, sou um cantor profissional’", compara João Osorio Brzezinski. "Somos pintores", finaliza Fernando Velloso.

Nada mais justo. Afinal, foi com a pintura que eles romperam com o academicismo que ainda reinava nos salões de arte do Paraná, em princípios da década de 1960, e abriram caminho para a modernidade em um estado ainda isolado artisticamente do resto do mundo.

Algumas das obras deles e outras de três colegas que participaram do chamado Movimento de Renovação – Ida Hannemann Campos, Fernando Calderari e Domício Pedroso – podem ser vistas até 16 horas de hoje na exposição Pintura Quase Sempre, no Museu de Arte Contemporânea do Paraná – MAC.

O curador Fernando Bini, é claro, teve que optar por um recorte para compor a mostra, mas Brzezinski lamenta que estejam faltando ali obras de mais quatro pintores modernos. "Faltou o Jair Mendes, o Mario Rubinski, a Sofia Dininsky e o Alcy Xavier. Todos vivos e morando em Curitiba", enumera.

Dentre outras questões, Bini discute a persistência da pintura em um tempo em que o conceito, muitas vezes, se sobrepõe ao fazer artístico. É até irônico que artistas que radicalizaram a arte paranaense precisem provar que a pintura ainda seja uma expressão vigorosa. "Eu cheguei até a abandonar a pintura, fazer objetos, mas acabei voltando a ela, porque gosto de pintar, meu negócio é mexer com tinta, dominar a variação tonal", diz Brzezinski.

O mesmo vale para Velloso, que nunca pretendeu se livrar da tela, suporte ideal para as pinturas abstratas que iniciou incomodado pelo espírito de academia do ateliê de seu professor em Paris, o pintor vanguardista André Lothe. "Mas não foi só isso: havia a influência do período e minha própria vocação para a abstração. O próprio Guido Viaro (que foi seu professor) já percebia essa minha maneira de pintar", conta ele, prestes a se tornar octogenário em agosto.

"Eu não consegui me livrar nem da tela", conta Velloso. "A tela é gostosa", justifica Brzezinski. "O Arney é até hoje o mais adiantado de todos", brinca o primeiro, ao falar da obra do pintor de 84 anos. Ins­tigado pelos amigos, o autodidata oriundo da área rural de Pira­quara, região metropolitana de Curitiba, rompe o silêncio, fruto da timidez, para falar de sua pintura, que dispensa tela, pincel e tinta a óleo.

"Sou do interior, não conhecia tinta a óleo, cavalete, não sabia o que era paleta, mas eu tinha aquela veia para fazer alguma coisa, pegava a terra avermelhada, punha água, pegava uma tábua, uma superfície plana qualquer, e fazia alguma coisa. Depois, quando entrei para o grupo, é que aperfeiçoei meu conhecimento", conta.

Arney não usa pincel, prefere tingir a madeira e o papel que formam suas colagens parafusadas e transforma molduras e telas em portas e janelas. "Mas seu objeto final é uma pintura, feita da maneira mais simples", argumenta Velloso. "E à mão. Não concebo desenhar com computador, fica uma coisa estéril, sem atmosfera, como esses filmes que a gente vê com efeitos especiais que não convencem. A coisa é sujar a mão mesmo. O bom é que com essa história de computação gráfica só ao pintor restou a pintura", frisa Brzezinski.

Os seis pintores que participam da exposição faziam parte do grupo que se reunia assiduamente na extinta galeria Cocaco, a única da cidade naquela época, e esticava ali ao lado, no Bar Jockey. Nestes locais discutiam, trocavam experiências, mas tinham total independência artística. Se admiram até hoje pelas diferenças. "O Calderari é um grande pintor, eu tinha vontade de copiá-lo", brinca Arney. E Brzezinski pega carona. "Inclusive, uma coisa que ninguém sabe, é que minha ideia de colar estopa na tela, que diziam que eu havia copiado do (italiano Alberto) Burri, eu copiei do Velloso. Você tinha um quadrinho pequeno com um detalhezinho que era uma estopa. Eu nem sabia quem era Burri, nem o Arney."

Nem era possível copiar em uma Curitiba sem museus, venda de revistas importadas e onde as exposições eram improvisadas em prédios comerciais emprestados pelos proprietários antes de serem vendidos. Mas até disso era possível tirar vantagem. "Como não tinha onde ver, a gente tirava de dentro", diz Brzezinski. "Pelo menos não éramos contaminados pelo excesso de informação, que hoje é comum. Seguimos uma carreira lenta e progressiva, sem guinadas violentas", completa Velloso.

Serviço: Pintura Quase Sempre... e Eles Construíram a Modernidade no Paraná, no Museu de Arte Contemporânea (R. Des. Westphalen, 16). Terça a sexta-feira, das 10 às 19 horas; sábado, domingo e feriado, das 10 às 16 horas. Até 13 de junho.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.