
Jaime Lerner nasceu na Rua Barão do Rio Branco, Centro de Curitiba. A família morava no número 593, entre a Visconde de Guarapuava e a André de Barros.
Naqueles anos 1950, tinha de tudo ali. Estação ferroviária, bonde, jornais, rádios, lojas, fábricas. Foi assim que teve a primeira noção de realidade, diz o arquiteto.
Num dia, o Circo Irmãos Queirolo montou acampamento na vizinhança. Lerner ia ao picadeiro todas as noites. "À realidade, misturei fantasia e sonho. Coisas fundamentais para a minha profissão", conta o ex-prefeito de Curitiba (1971-75/1979-83/1979-93) e ex-governador do Paraná (1995-99/1999-2003), que aos 76 anos comemora cinco décadas de prancheta.
A homenagem será em dose dupla, amanhã, no Museu Oscar Niemeyer (MON).
A partir das 19 horas, haverá o lançamento do livro Quem Cria, Nasce Todo Dia (Travessa dos Editores), em que Jaime Lerner, com a verve de um cronista despretensioso, relembra sua infância, as primeiras viagens internacionais, e causos com amigos como Aramis Millarch, cânone do jornalismo cultural de Curitiba.
No mesmo evento, será inaugurada a exposição Das Vozes da Cidade, um panorama sobre os 50 anos de arquitetura e urbanismo de Lerner, figura que ajudou a internacionalizar Curitiba apesar de não ser unanimidade mesmo entre seus pares.
LivroAos 9 anos, Jaime Lerner era um "CDF que chorava se tirasse 9". A passagem é um bom exemplo do tom do livro, uma coletânea de memórias. "Escrevi por puro prazer, não tenho pretensão nenhuma de ser escritor. São histórias de pessoas das quais sempre gostei. E momentos interessantes que vivi", diz o curitibano.
Na introdução, uma espécie de prosa poética alia suas lembranças às idiossincrasias da cidade em que nasceu e que transformou. "Contar é dividir com outros/ Descobertas e incertezas/ Prazeres e vexames/ Ainda mais em Curitiba, onde o olhar é sempre crítico/e o mau olhado sempre cítrico."
A obra é quase uma autobiografia. Os capítulos com títulos pessoais e autorreferentes ("A Vitrine da Loja de Meu Pai", "O Meu Bar Mitzvah", "Turismo de Estudante") misturam-se a confissões engraçadas de um homem público, como a relação trepidante com o jornalista Candido Gomes Chagas, um de seus principais críticos. "Confesso. Contra Candinho cheguei a cometer um atentado. Atentado de amor: contratei o Esmaga, figura popular da cidade, para, com todos os seus perdigotos, beijá-lo em plena Boca Maldita. O público foi ao delírio, Candinho, à loucura e eu, às gargalhadas."
Curioso e divertido é o capítulo "Sou o Forrest Gump da Música", em que Lerner se vangloria de ter comparecido à primeira execução de "Carcará" por Maria Bethânia, no show Opinião, em 1965; ou quando Claudette Soares e Geraldo Vandré cantaram juntos, pela primeira vez, "Chega de Saudade". "Quis repartir o que vivi. Curti muito escrever o livro", conta o arquiteto.
Exposição
A partir de amanhã, a sala 6 do MON receberá cerca de 80 peças do acervo do escritório de Lerner. Mapas, maquetes, plantas, croquis e vídeos estarão expostos para demonstrar, como explica a curadora Valéria Bechara, o começo de uma ideia e o processo de criação do homenageado.
A dificuldade foi excluir algumas peças. "Jaime é um homem de muitas ideias", justifica a arquiteta, que trabalha com Lerner há 30 anos e o define como um sujeito que "enxerga as coisas com muita facilidade". "O urbanista olha um mapa na escala 1/1.000, longe. O Jaime é o contrário disso. Ele olha de cima, e para muito perto."



