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Bady Assad faz tres shows na capital | Divulgação/Teatro da Caixa
Bady Assad faz tres shows na capital| Foto: Divulgação/Teatro da Caixa

O selo Alfaguara lançou este mês a tradução do best-seller colombiano "Rosario Tijeras", de Jorge Franco, que foi levado ao cinema em 2005, pelo diretor mexicano Emilio Maillé e trilha sonora de Juanes. Representante de uma nova geração de escritores, Franco conversou com o Caderno G sobre Rosario Tijeras, a violência na Colômbia, e os rumos da literatura no continente.

Gazeta do Povo – Em algumas entrevistas você comentou que a idéia para escrever Rosario Tijeras surgiu ao ler um trabalho sobre mulheres jovens que estavam envolvidas com o tráfico de drogas. Como foi esse processo? Jorge Franco – Eu estava lendo uma tese que tratava de um tema bastante contraditório, que era o vínculo que havia entre a religião e o crime, basicamente nas mãos de pessoas jovens que pertenciam às quadrilhas de tráfico de drogas. Nessa tese encontrei uma coisa que eu desconhecia, que era a presença de mulheres muito jovens nessas quadrilhas, e elas participavam de uma forma muito violenta. Muitas delas carregavam muitos mortes nas costas. Esses testemunhos foram coletados em penitenciárias, então eu senti que ali havia uma história que poderia ser contada. Comecei a ler um pouco mais sobre o tema, investiguei mais, e então comecei o processo de criação da personagem. Não se trata de uma personagem real, não é baseado em nenhuma delas em particular, mas se baseia nos testemunhos de várias dessas mulheres e nas minhas lembranças do tempo em que eu vivia em Medellín nessa época [final dos anos 80]. E claro, uma boa dose de imaginação.

GP – Além dos prêmios que recebeu, o livro foi traduzido em diversos idiomas. Como você avalia o sucesso de Rosario Tijeras fora da Colômbia?

JF – Foi uma surpresa. Eu escrevi essa novela como uma forma de saldar uma dívida que eu tinha com a minha cidade, quando eu a escrevi eu já não vivia em Medellín, mas em Bogotá. Queria escrever uma novela sobre essa época que tivemos que viver, uma época difícil para todos os que moravam em Medellín. Eu quis contar essa história através de uma história de amor, que também é um tema do qual eu sempre gostei, e que queria abordar nos meus livros. Eu escrevi esse livro sem esperar que tivesse muito êxito, mesmo estando bastante contente com a história que eu estava contando. O livro foi lançado em 99, na feira de livros de Bogotá, com uma tiragem modesta, de mil exemplares. Foi bem recebido pela imprensa, muitos jornalistas ficaram encantados com a história, e a primeira edição se esgotou em apenas três dias. Esse foi o começo de algo que continua, pois é um livro que continua ganhando traduções, continua sendo lendo em muitos lugares; é lido nos colégios da Colômbia; saiu o filme; artistas como Juanes criou uma música sobre a personagem, foram uma série de surpresas.

GP – Ao ler a tradução de Rosario Tijeras no Brasil, é inevitável traçar um paralelo entre Medellín do final dos anos 80 e a violência vista nas grandes cidades brasileiras. Como está a situação na Colômbia hoje?

JF – Por sorte Medellín hoje em dia é uma cidade muito diferente da que eu contei em Rosario Tijeras. Medellín sofreu uma grave crise, causada pela presença do tráfico, que é algo em comum com o que acontece no Brasil. A presença desses grupos armados, financiados pelo tráfico, geram níveis de violência bastante altos. Medellín sofreu essa crise, bastante profunda, que ocasionou a perda de prestígio a nível internacional. A partir da morte de Pablo Escobar, a cidade fez uma autocrítica e o governo municipal também procurou detectar a raiz dos problemas. A solução era simples, faltava a presença do Estado nesses bairros afastados, assim como a presença da sociedade em geral. A partir daí os problemas começaram a ser resolvidos e hoje Medellín é uma cidade bem diferente.

GP – Segundo os personagens do livro os beijos de Rosario têm gosto de morte. A morte e o amor parecem ser o fio condutor da obra. Qual é a sua relação com esses dois temas?

São dois elementos diferentes. Sobre o amor eu não somente sempre gostei de escrever, mas também de ler, desde bem pequeno eu gostava de escutar essas histórias, assistir filmes, ver na televisão. Eu acho que o amor é um sentimento bastante complexo, pois muitas vezes ele se constrói a partir de outros sentimentos. O amor faz parte da tradição cultural, ele vai se modificando com a cultura. Podemos pensar o amor como é visto na época clássica, ou o amor como o vemos hoje, o amor na época medieval... o amor foi se modificando e isso sempre me fascinou.

GP - A morte, a violência e a sexualidade vêm conquistando espaço no romance latino-americano contemporâneo. Já podemos falar de uma nova escola?

JF - Eu acredito que a literatura na América Latina está num bom momento. É um momento do consolidação de tudo o que fizeram os personagens do "boom" latino-americano. Graças a eles, a Vargas Llosa, Garcia Márquez, Cortazar, Octavio Paz, todos esses nomes importantes da literatura dos anos 60 e 70, começou-se a ver a América Latina como um terreno importante e fértil para a criação literária. É curioso observar que os países que tiveram essas grandes figuras, se geraram muitos discípulos. Um autor que brasileiro que eu lia bastante e gostava muito era Jorge Amado, que era contemporâneo do realismo mágico. Outro fator é que as grandes cidades cada vez estão mais parecidas. Os autores da minha geração somos autores muito urbanos simplesmente porque as cidades são os lugares onde vivemos, e nossas histórias se passam nessas cidades.

GP - Você participou do roteiro e da concepção do filme Rosario Tijeras?

JF- Eu participei como consultor. Fiquei muito amigo do diretor, Emilio Maillé, com os produtores e eles me consultavam freqüentemente na concepção do roteiro. O roteiro foi escrito por um argentino que tinha muito mais experiência que eu na produção de roteiros. Em uma etapa final, o que eu fiz foi adaptar a forma como os personagens falavam à maneira como os colombianos falavam. O roteirista, que era argentino, fez da forma como os argentinos falavam e existem muitas diferenças. O que eu fiz foi simplesmente adaptar à forma de falar de Medellín. Já na meu livro seguinte, Paraíso Travel, que está sendo editado e foi filmado em Colômbia e Nova York, foi completamente diferente. Não tem muito a ver com o tráfico, e sim com os imigrantes sem documentos em Nova York. Nesse filme sim eu fui co-roteirista. Aí eu assumi a responsabilidade de contar essa história. A experiência foi bem gratificante, tanto que meu primeiro romance, chamado Mala Noche e que pouca gente conhece, anterior a Rosario Tijeras também está sendo transformado em filme.

GP - Você estudou também cinema, em Londres, não é mesmo?

JF - Sim. Na verdade eu cheguei à literatura através do cinema. Eu fui para Londres com a intenção de estudar cinema, motivado pela idéia que eu há muito tempo que era de contar histórias através da imagem. Mas ao estudar os mecanismos do cinema, eu me dei conta de que o que eu poderia fazer através do cinema também podia ser feito pela palavra escrita. De qualquer forma eu tinha que escrever os roteiros, as sinopses, os argumentos dos filmes que fazíamos na escola e pouco a pouco eu fui perdendo o medo da escritura e fiquei encantado por escrever histórias. Eu tinha o que talvez seja o único pré-requisito para ser escritor, que era ter sido leitor. Como desde criança fui um bom leitor, isso ajudou bastante. Em Londres, mesmo tendo terminado meus estudos e feito alguns curta-metragens eu voltei à Colômbia com a idéia de me dedicar a escrever. Eu estava fascinado por isso e fiz algumas oficinas literárias aqui na Colômbia e comecei a escrever todos os dias, nas horas livres, nos fins de semana.

GP - E vai muito bem, já que inclusive suscitou a frase de Garcia Márquez, de que você é um escritor ao qual ele gostaria de passar a tocha...

JF - Foi uma atitude muito generosa do Garcia Márquez. Ele inclusive me convidou a compartir com ele de uma oficina em Havana [Cuba], tive a oportunidade de passar algumas semanas com ele e, sobre essa frase, ela foi dita já há bastante tempo. Só que ela foi saindo junto com as edições dos livros e para mim ela é muito importante, pois veio de alguém que conhece muito bem o oficio e isso me deu muita segurança para seguir em frente. Na prática eu tento esquecer dessa frase, pois na literatura, cada livro tem sua própria vida, suas próprias regras. O que eu tento fazer é aprender com cada livro, ser honesto, e saber que ainda tenho muito o que aprender e que tive um grande apoio de todos os leitores dos meus livros. Tento pensar cada livro novo como se fosse o primeiro.

GP - Atualmente você está trabalhando em algum livro? E o que você está lendo?

Desde final do ano passado estou ocupado com o lançamento do meu último livro, que foi Melodrama. Foi um livro que demorou quatro anos para ser escrito, foi um romance bem diferente dos anteriores, e teve muito êxito. Foi um romance bastante arriscado, foi muito trabalhoso, mas acho que valeu a pena. Esse livro vai sair no Brasil até final do ano. Além disso, estou trabalhando na adaptação de Mala Noche ao cinema, pelos mesmos produtores de Paraíso Travel, meu livro anterior. Logo termine, começo um novo livro.Quanto às leituras, eu leio de tudo. Faço releituras dos clássicos, dos gregos, leio Shakespeare, também leio as novidades, o que escrevem os autores atuais na colômbia e na América Latina. Agora estou lendo um ensaio de um autor que eu gostei muito, que se chama Thomas Lynch, ele escreveu um livro que se chama "El enterrador" e agora estou lendo "Cuerpos en movimiento y em reposo", que trata de um tema que apaixona muitos leitores, que é a morte. Ele tem uma escrita muito poética e trata do tema com conhecimento de causa, já que além de escritor e poeta, ele também foi um "enterrador", já que sua família tinha uma funerária.

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