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Blogs culturais

Blogueira outsider

Nome Próprio, novo filme de Murilo Sales, parte do universo dos blogs literários para tratar de questões como a subjetividade feminina e o enclausuramento

Leandra Leal vive uma personagem inserida no universo da escrita e dos relacionamentos no mundo virtual | Divulgação
Leandra Leal vive uma personagem inserida no universo da escrita e dos relacionamentos no mundo virtual (Foto: Divulgação)
Leandra Leal vive uma personagem inserida no universo da escrita e dos relacionamentos no mundo virtual |

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Leandra Leal vive uma personagem inserida no universo da escrita e dos relacionamentos no mundo virtual

O diretor Murilo Salles usava a internet para mandar e-mails, acessar os sites de notícias e consultar o Google, como a maioria das pessoas. "Acho a internet um instrumento muito poderoso, para o bem ou para o mal. Mas nunca tive um interesse específico", diz.

O universo dos blogs literários entrou para a sua cinematografia de um jeito enviesado. Ele buscava um tema para um filme em que pudesse lançar um olhar sobre a classe média, pouco retratada no cinema do país. "Por que a gente só tem que fazer filme de miséria, se uma boa parte da população brasileira está na cidade, mora em casa própria, tem emprego?", questiona.

Era 2001. Ainda se contava nos dedos os blogs nacionais que se destacavam na rede. Um deles, o brazileira!preta, gerava polêmica pelos textos sarcásticos e sem meias-palavras da autora, a porto-alegrense Clarah Averbuck, então com 22 anos, recém-chegada a São Paulo para tentar a vida de escritora em tempo integral.

Salles leu uma matéria sobre o blog, soube que a autora estava lançando seu primeiro livro, Máquina de Pinball, e resolveu procurá-la para comprar os direitos de seus textos. "Acho Clarah muito talentosa, mas não estava interessado em adaptar sua literatura. Estava procurando por um tema e, através dele, cheguei à obra dela", explica.

O diretor levou seis anos escrevendo o roteiro do filme, Nome Próprio, lançado no ano passado. Neste período, incluiu cenas adaptadas de mais dois livros da autora: Das Coisas Esquecidas atrás da Estante, de 2003, que reúne textos postados no blog, e Vida de Gato, do ano seguinte.

Filmado em câmera digital HD, para ser coerente com a discussão sobre linguagens digitais a que se propõe, Nome Próprio conta a história de Camila (Leandra Leal), que mantém um blog, no qual posta reflexões sobre a sua vida em São Paulo, sem grana e regada a bebida, sexo e boletas para emagrecer. A personagem, obcecada em se tornar escritora, é claramente inspirada nos personagens de John Fante e Bukowski, referências literárias de Clarah.

Relações virtuais

Camila passa boa parte de seu tempo nua, ou seminua, enclausurada em apartamentos alugados refletindo ou desabafando em seu blog sobre suas frustrações amorosas e sua imaturidade emocional. "Me interessou falar sobre o paradoxo que é estar ali, reclusa, lidando com as dificuldades da internet discada (o filme se passa em 2001), para estar plugada com o mundo. É um filme sobre aprisionamento e narração", diz Sales.

Os textos dedilhados por Camila chegam ao leitor por meio de projeções de trechos sobre a imagem da personagem – escritos não por Clarah, mas pela poetisa Viviane Mosé, chamada por Sales para sintetizar o discurso literário.

Ele explica que, ao se propor a falar do universo dos blogs, descobriu que também estava, sobretudo, fazendo um filme "sobre a mulher, feminilidade, paixão". A relação obsessiva de Camila com a escrita na internet é semelhante à que mantém com a vida – ela se desafia e se arrisca, seja ao postar textos em que se expõe aos leitores, seja traindo o namorado por quem está completamente apaixonada.

A mistura de ficção e realidade, aliás, foi um dos aspectos que atraiu Salles ao ler o blog de Clarah. "Ela brincava com as pessoas, que ficavam sem saber se tinha vivido aquilo mesmo. Como não permitia o comentário, criavam-se comunidades sobre o seu blog na internet", diz. Camila, personagem do filme, alimenta-se, de um modo doentio, do assédio de seus leitores.

A autora cancelou o blog há alguns anos, cansada da superexposição. "Comecei a pensar em quem estava me lendo e na expectativa que cada novo post criava. E fui perdendo a vontade de alimentar todas essas coisas. Eu tinha uma vida, afinal, tinha uma filha, tinha trabalhos para entregar e contas chegando debaixo da porta. Fui parando de postar até que um dia, após semanas de silêncio, resolvi matar o blog", escreveu em um artigo em que reflete sobre blogs literários publicado na Revista Bravo, de julho. Hoje, Clarah usa o blog Adiós Lounge (adioslounge.blogspot.com) basicamente como meio de divulgação de seu trabalho.

A jornalista viajou a convite do Festival de Gramado.

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