
No Brasil de Gal, Elis, Bethânia, Nara, Elba, Alcione, Fafá, Nana e Simone, havia um Emílio. Rara voz masculina a se destacar num país de cantoras, Emílio Santiago morreu no início da manhã de ontem, aos 66 anos. Ele estava internado desde o dia 7 de março no hospital Samaritano, na Zona Sul do Rio de Janeiro, após ter sofrido um acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico. No dia 4, fez sua última aparição pública, no programa Encontro com Fátima Bernardes e tinha shows marcados para os dias 22 e 23, em São Paulo.
O velório do cantor foi realizado ontem, na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, no centro da cidade, e foi aberto ao público. O enterro do artista acontece às 11 horas de hoje, no Memorial do Carmo, no Caju, Região Portuária do Rio. Ele será enterrado ao lado do local onde sua mãe foi sepultada.
Trajetória
Emílio Santiago teve uma trajetória típica dos artistas de sua geração. Estreou em 1970, como cantor num festival da Faculdade Nacional de Direito, que então cursava. Entre os jurados, estavam nomes como Marlene, Beth Carvalho e Marcos Valle. Os prêmios que levou do júri (foi escolhido o melhor intérprete, e duas das três canções que apresentou ficaram com o segundo e o terceiro lugares) foram um inegável incentivo para que seguisse na carreira artística, uma possibilidade que ele não considerava seriamente.
Ainda na faculdade, Emílio passou a frequentar programas de calouros na televisão. Chegou à final de um deles, A Grande Chance, comandado por Flávio Cavalcanti, na TV Tupi apresentando "Que Bobeira", canção de Marcos e Paulo Sérgio Valle. Após se formar, seguiu com a música, influenciado por nomes como Nelson Gonçalves, Anísio Silva e Cauby Peixoto. Sua voz aveludada e elegante, de afinação perfeita e divisões espertas, o levou a ser crooner na orquestra de Ed Lincoln, abrindo portas também para que se apresentasse em várias casas noturnas. Na boate Colt 45, no Leblon, abria o show de Marlene. Na boate Fossa, era o aperitivo para Tito Madi e Marisa Gata Mansa.
Em 1973, lançou o seu primeiro compacto, com "Transa de Amor" e "Saravá Nega". Dois anos depois, chegou o primeiro disco, homônimo, pela gravadora CID, no qual interpretava canções de Ivan Lins, Jorge Ben, João Donato, Nelson Cavaquinho e Marcos Valle, entre outros. Em 1976, foi contratado pela Philips/Polygram, onde permaneceu até 1984, gravando dez discos. O crítico Sérgio Cabral saudou: "Finalmente, um cantor que canta".
Em 1982, venceu o festival MPB Shell, da TV Globo, cantando "Pelo Amor de Deus". Com "Elis, Elis", foi escolhido o melhor intérprete do Festival dos Festivais, também da Globo, em 1985.
Aquarelas
A consagração popular, porém, veio mesmo em 1988, quando lançou Aquarela Brasileira, convidado por Roberto Menescal e Heleno Oliveira. Com uma releitura de clássicos da MPB, o projeto da Som Livre gerou sete álbums, vendendo mais de quatro milhões de cópias.
Encerrada a série de sucesso, ele continuou uma carreira discográfica com mais discos de ouro e prêmios. Fez álbuns dedicados à obra de artistas como Dick Farney, Gonzaguinha e João Donato.
Versátil, fez shows no exterior, apresentando-se com sucesso em várias cidades da Europa e Estados Unidos, inclusive em festivais de jazz. Após uma passagem pela Sony, criou o seu próprio selo, Santiago Music, por onde lançou, em 2010, o álbum Só Danço Samba, uma homenagem a Ed Lincoln. Dois anos depois, o projeto se transformou no DVD Só Danço Samba Ao Vivo com o qual ganhou o Grammy Latino na categoria melhor álbum de samba/pagode, dividindo a premiação com Beth Carvalho. Ao todo, sua discografia conta com 30 álbuns e quatro DVDs.
Além de talentoso, dono de um poderio vocal evidente, de um timbre único, Emílio era, acima de tudo, um boa praça. Numa época em que a arte se mistura com exposição, era discreto. Num tempo em que a vulgaridade ganha destaque, era elegante. Numa indústria em que a música se confunde com obscenidade, manteve o bom gosto. Pode-se discutir quem é o maior cantor do Brasil. Ed Motta, dono de outro vozeirão, não tem dúvidas: "Emílio foi o maior cantor desse país".



