Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
CÊNICAS

Brasilidade em passos de dança

A curitibana PIP Cia. de Dança leva pesquisa ao SESC Avenida Paulista

O quarteto está comemorando a conquista do Disco de Ouro | Divulgação/Prime Shows
O quarteto está comemorando a conquista do Disco de Ouro (Foto: Divulgação/Prime Shows)

"O quadro está saturado e empobrecido por séculos de parede". A frase é de Hélio Oiticica, artista plástico brasileiro criador dos famosos parangolés – capas de pano com poemas inscritos que, quando fechadas, lembram "as asas murchas de um pássaro", mas, vestidas e movimentadas por alguém, transformam-se em "asa-delta para o êxtase", nas palavras do poeta Haroldo de Campos.

Mesmo convivendo com a vanguarda concretista, o artista nunca se afastou da cultura popular. Seus trabalhos, que procuravam expressar a brasilidade, serviram de inspiração para o espetáculo de dança contemporânea Barraco, da curitibana Pip Companhia de Dança, que encerrou, no último domingo, uma temporada de 30 apresentações bem-sucedidas no Sesc da Avenida Paulista, em São Paulo.

Pip é um abrasileiramento de peep, que em inglês significa "olhar", "observar". O nome foi escolhido por Carmem Jorge para sua companhia porque é "pop". "A dança contemporânea é muito elitizada, precisa ganhar visibilidade, se popularizar", diz.

Criada há cinco anos, a companhia também é formada pelos artistas Leo Gomes e Angelo Cruz. Na próxima semana, o trio dá início à produção do terceiro espetáculo sob o tema brasilidade. Dessa vez, os barracos que servirão de objeto de pesquisa estão bem próximos, nas favelas de Curitiba.

O primeiro espetáculo sobre o tema, Três Mg – Gingaestética, foi produzido para o público do Festival de Dança Sul-Americano de Nova Iorque, em 2005. "Devolvemos ao público as imagens de samba, futebol e bananas que se têm do Brasil", conta a diretora.

A experiência estendeu-se em Barraco, espetáculo contemplado com o Prêmio Funarte Klauss Vianna, um verdadeiro ‘barraco’ do trio curitibano em terras paulistas, tendo-se em vista a boa acolhida da crítica especializada local.

O espetáculo discute a dança e, principalmente, reflete sobre a questão "o que é ser brasileiro?" ao explorar os significados inerentes à arquitetura do barraco, típico das favelas cariocas. Para construí-lo, o futuro morador busca material nas ruas. Quando acha um papelão melhor, substitui o velho. "É um processo que não pára nunca", explica Carmem Jorge, em que fragmentos vão sendo sobrepostos continuamente para formar um todo.

Esta construção do barraco, no espetáculo, é feita pelos corpos em movimento. "Cada um, a seu modo, parece movido a uma urgência de não parar de substituir o que acabou de fazer por algo que presta para ser colado em seguida, mas que não organiza, com o que acabou de acontecer, o que se entende por fluxo de movimento", escreve a crítica Helena Katz, em resenha publicada no jornal O Estado de S. Paulo.

São movimentos fragmentados e auto-editados pelos próprios bailarinos. "Não há coreografia. O movimento é criado na hora", diz Carmem. O risco, no entanto, é calculado, pois os dançarinos não improvisam. Estão afinados entre si pelo treinamento, fruto de um estudo prévio – e intenso – da obra de Oiticica e de conceitos da arquitetura como o fragmento e o fragmentar, retirados do livro A Estética da Ginga, da arquiteta e urbanista Paola Berenstein Jacques.

A transposição dos conceitos teóricos para a prática ganha ainda mais significados com a instalação de 20 televisões em cena, que exibem a videoarte de Cristiane Bouger. Vadeco (da banda Vadeco e os Astronautas) forneceu a textura musical da montagem. "Seus mais de 200 fragmentos de música acompanham a idéia do corpo em mutação constante", diz a coreógrafa.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.