
Acompanhar a conversa de integrantes de um grupo de teatro pode se tornar um exercício de adivinhação que termina com a pergunta: "Mas do que é que estão falando?". Companhias em que os integrantes permanecem um bom tempo juntos costumam ter até um vocabulário próprio. Suas expressões particulares são o esqueleto que dá forma a um corpo de ideias em que aqueles artistas acreditam e que explicam por que investem nessa arte.
"Ultimamente nosso trabalho tem olhado muito para o público, querendo o diálogo, e para isso investimos bastante na figura do ator, tentando entender o que é estar diante do púbico", diz Sueli Araújo, diretora da curitibana CiaSenhas. O grupo, formado em 1999, é um exemplo de uma reunião de artistas cênicos que pesquisa constantemente uma linguagem própria, não só com palavras, mas com todos os recursos do teatro.
Desde a primeira peça, eles enfocam o "trabalho de corpo do ator" (Sueli traduz: que o ator trabalhe sua presença no palco, se envolva com aquilo que está dizendo).
Ao colocar o ator como um veículo para a relação com o público, a Senhas procura valorizar esse vínculo, às vezes até mais do que a história a ser contada. Do ponto de vista do intérprete, esse intuito foi mais bem alcançado, na opinião de Sueli, no espetáculo Homem Piano Uma Instalação para a Memória, que o grupo reapresentou no Festival de Teatro de 2011.
Nele, o ator Luiz Bertazzo recepciona 20 pessoas por sessão e as envolve com um texto com dramaturgia de Sueli e citações da canção "Lenda do Pégaso", de Jorge Mautner, sobre um passarinho que se torna um cavalo alado. Em meio a elas, o ator solicita ao público suas lembranças, que podem ou não ser escritas num pedaço de papel para depois serem trituradas num liquidificador. O ator escreve algumas também mas com giz branco sobre a parede branca. No final, a plateia novamente se voluntaria para contar seu passado num microfone de forma que somente Bertazzo as ouça.
"É emocionante, um exercício não sobre o público, mas sobre cada mente no público. Nada violento, pelo contrário; um passo que cada um se permite, se quiser. É uma instalação ou performance, mais do que teatro", definiu o crítico Nelson de Sá, autor do blog Cacilda, após assistir à peça durante o festival.
Com boa repercussão, a peça é um exemplo do que o grupo entende pelo estabelecimento de vínculos com seu público, preocupação presente também em Delicadas Embalagens, em que uma família lida com a morte da mãe, e Concerto para Rameirinhas, que enche de narrativas o universo da prostituição.
"Nesse trabalho, a gente brinca e procura criar uma atmosfera em que a libido possa estar presente. Como autora e diretora procuro encaminhar e organizar cada peça para que ele possa ser, mais que uma história, um lugar de experiência. A cada espetáculo, os artistas saem transformados."
Com esse interesse pela memória e a subjetividade, o grupo não se aliena dos fatos do dia a dia. "Tentamos refinar o olhar para aquilo que acontece próximo a nós, e que pareça banalizado, distorcido", explica a diretora.
Em breve
Quem perdeu essas três etapas importantes do amadurecimento da CiaSenhas poderá assistir a todas as peças ainda no primeiro semestre, graças a um edital da Funarte com o qual o grupo foi contemplado. Mais para o fim do ano, a trupe estreia Circo Negro, com texto do argentino Daniel Veronese, numa primeira experiência com dramaturgia de fora da companhia.



