Em 2008, o bailarino e coreógrafo mineiro Mário Nascimento esteve em Curitiba no 7.º Festival Internacional de Hip Hop, ministrando uma oficina de dança contemporânea da qual participei. Na oficina, porém, não passei dos exercícios de aquecimento. No decorrer da aula, percebi que as sequências de movimento pré-formatadas, extremamente rápidas e executadas sem o devido tempo para o corpo compreendê-las, em nada tinham a ver com o meu jeito de entender a dança. Não vendo muito sentido e com medo de me machucar, decidi me sentar e assistir à aula.
No último final de semana, o coreógrafo esteve na capital paranaense com sua companhia e o espetáculo Faladores (2008), apresentado no Teatro da Caixa. Pelas impressões do workshop, a minha expectativa era de que o trabalho tivesse algo de semelhante à atlética Companhia de Dança Deborah Colker, principalmente pelo fato de Mário Nascimento ter em sua bagagem experiências no atletismo e nas artes marciais. Esperava mais um desfile de habilidades técnicas e um virtuosismo corporal capaz de causar suspiros na plateia. E só. Nada de mais profundo ou refinado.
Me enganei. O trabalho da Companhia Mário Nascimento em nada tem a ver com o exibicionismo, puro e simples, muitas vezes presente no trabalho da coreógrafa carioca. Em Faladores, a movimentação vigorosa revela técnica e treinamento apurados, principalmente nas quedas e rolamentos pelo chão, sempre presentes. E vai além. O trabalho tem coerência dramatúrgica e sensibilidade artística ao abordar o tema oralidade.
O ponto alto da peça são os momentos em que os sete bailarinos dançam juntos e instauram um caos. Música misturada a ruídos e falas, e os bailarinos movendo-se cada qual a sua maneira: no chão, saltando, em ritmo acelerado, bem devagar, ou em movimentos fragmentados como os de Michael Jackson.
Neste caso, em especial, é possível enxergar a singularidade de cada bailarino. Pessoas diferentes que são, cada um tem uma forma única de se mover, e as coreografias respeitam isso. Bem diferente, por exemplo, de um corpo de baile uniforme que extermina qualquer diversidade, inclusive de biotipo físico.
O diálogo entre dança e música é algo que nasce com a companhia, que já soma dez anos de existência. Boa parte da música é produzida ao vivo pelo elenco, sob a direção de Fábio Cardia que compõe para o grupo desde sua fundação. E não pense que, como músicos, eles são ótimos bailarinos. Todos sabem muito bem o que estão fazendo, seja com a gaita, pandeiro, voz ou violão.
A exceção é a cena em que uma das artistas toca o violino em interação com os movimentos de outro bailarino. Em todo o espetáculo o grupo produz música de qualidade, menos aqui. Rosa Antuña não tem intimidade com o violino, o que transparece na maneira de segurá-lo. A bailarina pareceu querer dar o truque na plateia emitindo ruídos que destoaram do contexto das melodias de até então. Algo parecido acontece com seu parceiro de cena, que apresentou algumas mímicas "engraçadinhas". Uma muleta desnecessária, como se a arte de dançar por si só já não fosse bastante expressiva.
Emanuella Kalil é jornalista e formada em Dança pela Faculdade de Artes do Paraná (FAP).
Serviço
Assista a trechos dos espetáculos da Companhia Mário Nascimento no site www.ciamn.com.br



