
"Não era velho; ia fazer quarenta e um anos; e, rigorosamente, parecia menos. (...) passo a mão pelo queixo, barbeado todos os dias, cousa que não fazia dantes por economia e desnecessidade. um simples professor! usava suíças (mais tarde deixou crescer a barba toda) tão macias que dava gosto passar os dedos por elas."
O texto que se lê acima é, "rigorosamente", uma fotografia. Claro, pois, ao lê-la, o visitante da exposição Caractere(s): Retratos em Preto e Branco, em cartaz no Paço da Liberdade, imaginou as feições do personagem descrito, seu modo de vestir, o jeito de olhar e se mover. Talvez tenha até adivinhado, antes de ler o nome impresso ao pé da imagem, de quem se trata: Rubião, protagonista de Quincas Borba, de Machado de Assis.
A mostra do artista visual Tom Lisboa reúne inúmeras fotografias reveladas mentalmente pelo público após ler as descrições de personagens conhecidos da literatura nacional, principalmente, de Machado de Assis. "A instalação é uma espécie de laboratório onde as pessoas revelam mentalmente as imagem que sugiro por meio de dos textos", diz o artista.
Provocativo, Lisboa deseja tirar o espectador da passividade ao lhe propor a participação. "Minhas fotos sempre têm algo faltando, algum ruído, e é proposital. Isso força o espectador a olhar de novo. O profissional da fotografia precisa propor questões para o público refletir, sua função é valorizar o olhar, mais do que tirar fotos", diz.
Ele concorda com o escritor português José Saramago, morto no último dia 18, que escreve em seu livro Ensaio sobre a Cegueira sobre uma pandemia de cegueira branca. "É a cegueira do excesso. No momento, não me interessa ficar criando mais imagens, quero que o público crie suas próprias imagens a partir do que proponho", analisa.
A "fotografia marginal" já proposta por Lisboa em trabalhos anteriores como Polaroides (In) visíveis, vencedor do prestigiado prêmio Porto Seguro de fotografia, em 2008, será tema de uma palestra do artista amanhã, às 19 horas, seguida do lançamento do catálogo da exposição e de uma visita guiada (leia quadro).
"O catálogo fecha muito bem todo o processo, pois da galeria a exposição pode voltar para a rua", diz Lisboa. O espaço urbano foi o primeiro local onde os retratos (in)visíveis foram exibidos, depois que o artista, ao ver seu projeto negado em um edital de ocupação de espaço, decidiu fazê-lo circular de modo independente. Para isso, abriu uma convocatória em seu site, em março e abril, e recebeu contribuições de cem pessoas de 40 cidades. "Elas foram além da literatura e mandaram autorretratos, retratos de personagens de música, entre outros", conta.
Os trabalho foram expostos sob a forma de intervenção urbana em oito cidades. "O participante imprimia o texto, recortava, colocava na rua como desejasse e mandava a foto para que publicasse no site", explica. O espaço virtual, muito utilizado pelo artista, lhe abriu para o mundo. "A internet é generosa pela interatividade, pela possibilidade de dialogar com pessoas muito distantes geograficamente", diz.
Com o convite para realizar uma mostra no Paço da Liberdade, Lisboa retomou o projeto original e expôs seus retratos feitos a partir de uma pesquisa extensa da obra de Machado de Assis. "Ele é genial pela ironia, pela ousadia, a maneira sucinta e profunda como descreve os personagens fisicamente, psicologicamente", diz.
Serviço
Caractere(s): Retratos em Preto e Branco, no Paço da Liberdade Sesc Paraná (Pç. Generoso Marques, 189), (41) 3234-4200. Terça a sexta-feira, das 10 às 21 horas; sábado, das 10 às 18 horas; domingos e feriados, das 11 às 17 horas. Até 19 de setembro.




