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Por onde andam as canções de protesto, as músicas rebeldes, as polêmicas capas de discos? Fazendo um rápido exercício de regressão, é fácil lembrar que os artistas brasileiros dos anos 1960 e 1970 tinham a política em suas entranhas. E não poderia ser de outra forma, já que a ditadura era tema incontornável e um monstro a ser combatido. Então, Chico e Caetano cantavam toda aquela repressão explícita e implicitamente, através de canções inquestionáveis. Na década seguinte, houve o boom de bandas de rock no país, com irônico destaque para Brasília. O protesto ganhou em amplificação e se popularizou ainda mais com bandas como Capital Inicial – "Veraneio Vascaína", música que retrata policiais civis como "assassinos armados e uniformizados" e que foi censurada pela Polícia Federal –, Paralamas do Sucesso e sua "Alagados" – "a cidade que tem braços abertos num cartão postal/ com os punhos fechados na vida real" – e Legião Urbana, que em 1987 perguntou, para todo mundo ouvir: "Que País É Este?"

O país se redemocratizou em 1989, com a volta das eleições diretas para presidente. E a música, ao que parece, mudou de rumo. Ao pensarmos em bandas que surgiram ou se destacaram nos anos 90, como Jota Quest, Skank, Pato Fu e até mesmo Nação Zumbi, não é difícil notar que os temas são outros. O caso mais emblemático é o da banda Los Hermanos. O grupo mais importante do Brasil nos últimos 15 anos se tornou conhecido com "Anna Julia" e nunca cantou um "a" sobre política, daquele jeitão de outrora. O que houve?

"Falar de política se tornou algo banal. No momento em que foi necessário falar sobre isso, em razão de motivos palpáveis, grandes artistas falaram. Hoje, a questão é anterior à política, é a reformação de um pensamento sobre o homem, mais precisamente sobre o homem moderno e seu rumo. Ou seja, a questão é filosófica. E a filosofia é um dos pilares da política."

Quem diz é o músico paulista Rodrigo Campos, considerado um dos grandes de sua geração. Integrante do grupo Passo Torto – um coletivo paulista de MPB "cabeça", que aliás, se apresenta hoje no Teatro do Paiol, em Curitiba – Campos defende que o tema se diluiu. Mais do que isso, se interiorizou. "A questão política está incluída na obra dos artistas modernos pelo pensamento sobre o homem, vida e morte. Sem um pensamento profundo sobre isso não há política", defende o paulista, que em 2009 lançou o ótimo disco São Mateus Não é um Lugar Assim Tão Longe, em que fala com olhar de cronista sobre a região em que foi criado, e neste ano se saiu com o igualmente interessante Bahia Fantástica, disco "metafísico" sobre sua relação com a terra de Caymmi.

A teoria faz sentido. Não seria totalmente estranho ouvir uma banda cantando algo sobre o mensalão, por exemplo. Mas a questão política, sob essa ótica, é secundária. Fazer canções de protesto para mudar todo um sistema foi muito mais desafiador e importante. Então, as canções agora se tornam autorreferenciais, e falam mais sobre a condição de seus criadores no mundo do que sobre política.

Além da interiorização da discussão, de ver a politização hoje como algo mais pessoal, o músico e compositor Rômulo Fróes, também integrante do Passo Torto, aponta outra possibilidade: a política estaria, hoje, em uma instância anterior, ligada ao que ele chama de "política de sobrevivência do artista nacional". "Considero um ato político disponibilizar um disco na internet de graça, gravar em casa, sem depender de megagravadoras. Essa liberdade é política e teve de ser conquistada", reflete.

Para o músico, as bandas de rock atuais falam de si e de sua situação no mundo. É uma individualização da política, nesse sentido. E os rappers seguem a mesma linha. "Talvez não o Criolo, mas o rap continua a protestar. Agora, não é mais alguém falando em nível nacional, mas sim contando a história do sujeito que foi assassinado ali na sua rua."

Aliás, o rap e o hip-hop são outros elementos interessantes na discussão sobre a possível despolitização da música brasileira. Historicamente gêneros combativos e marginais, eles se tornaram mais populares no Brasil nos últimos anos – pense nos prêmios recentes recebidos por Criolo e Emicida e o destaque que vem ganhando a rapper curitibana Karol Conká. Isso, justamente quando deixaram de ter na política o cerne de sua inspiração. Criolo e seu disco Nó na Orelha é um exemplo emblemático.

"No limite, o que o Criolo faz hoje nem é rap. Mas eu acredito que as coisas só fazem sentido quando viram arte, que é o que ele faz. ‘Caminhando e Cantando’ [‘Pra Não Dizer que Não Falei das Flores’, de Geraldo Vandré], por exemplo, é uma porcaria, porque não há experiência estética. Já o Chico é outro nível," diz Fróes. "‘Sabiᒠé outra coisa", defende ele, citando a música de Chico Buarque e Tom Jobim que venceu o Festival da Canção de 1968.

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