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"De perto ninguém é normal", repete, várias vezes ao longo da entrevista, o diretor carioca Evaldo Mocarzel. Pai de uma menina portadora da Síndrome de Down, ele passou a aceitar e entender a condição da filha quando resolveu contar sua história – e a de milhares de famílias – no filme Do Luto à Luta. O premiado documentário, que estréia amanhã em Curitiba, joga luz num tema cercado de desinformação e, por conseqüência, preconceito. "Queria fazer um trabalho de utilidade pública, que eu gostaria de ter visto na maternidade, quando soube que a Joana tinha Down", conta.

Mocarzel não só atingiu seu objetivo como foi mais longe. Além de servir de alento para os pais em situação semelhante à sua, Do Luto à Luta desvenda o cotidiano dos downianos (ou "downs", como o diretor os chama) para o público em geral. Um universo bastante particular, marcado por pequenas vitórias diárias. "Down não é uma doença, é uma modalidade do ser humano. Os downs têm problemas físicos e cognitivos, mas evoluem. Só que com um tempo diferente", explica o realizador.

Formado em cinema nos anos 80, Mocarzel viu seus projetos naufragarem durante a era Collor, que praticamente inviabilizou as produções nacionais. Partiu então para o jornalismo cultural, campo no qual atuou até assumir de vez sua porção cineasta. "Sempre quis fazer cinema, e as pessoas que me conheciam sabiam disso. Até quem eu entrevistava sabia", diz, chutando para escanteio o tabu de ser crítico e artista ao mesmo tempo.

O diretor já havia realizado dois curtas e dois longas, mas só concretizou a guinada profissional graças a Do Luto à Luta. Após o nascimento de Joana, hoje atriz da novela Páginas da Vida, Mocarzel enfrentou "quatro meses de rejeição inicial". Refez-se do baque e decidiu reagir – daí o título do filme. "Sofri muito antes de perceber que era uma situação mais simples do que eu imaginava. Isso me transformou numa pessoa mais essencial, mais urgente", afirma.

Do Luto à Luta explora, basicamente, duas vertentes. A primeira é a que pretende ajudar as famílias a superar uma possível rejeição à criança portadora de Down. O preconceito e a discriminação, como se sabe, começam dentro de casa. Por isso, Mocarzel faz questão de mostrar, no mesmo quadro, pais e filhos falando sobre questões como trabalho, escola, sexualidade, etc.

A segunda vertente dá conta da inclusão dos downianos na sociedade. São apresentadas crianças, jovens e adultos em atividades diversas (do surfe ao aprendizado de latim). Mas nenhum deles surpreende mais do que os namorados Ariel e Rita, cujo casamento é registrado no filme. Conscientes de sua condição, eles comentam temas como paternidade, futuro e até a fé em Deus – o que prova sua capacidade de transcendência.

O casal ainda aparece como cobaia de uma experiência de Mocarzel. Ele "emprestou" sua equipe de filmagem para que os dois escrevessem e dirigissem uma dramatização do momento em que um pai recebe a notícia de que o filho é portador de Down. O resultado, revelador, nunca beira a autocomiseração. E aí está o grande trunfo de Do Luto à Luta: ao ouvir pais e downianos, em vez de especialistas, o diretor também troca a frieza pela humanização do tema. Impossível não se comover. GGG1/5.

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