
A capital que durante muito tempo foi uma referência em soluções urbanísticas guarda pouca relação com a obra do maior paisagista brasileiro, Roberto Burle Marx. O mais ousado projeto seu em Curitiba, o Centro Cívico, conserva apenas detalhes da ideia original do paulistano que trabalhou no Rio de Janeiro e teve seu trabalho reconhecido em todo mundo. "Esse projeto foi solicitado para ele. Mas foi implantado apenas parcialmente", diz o professor de Arquitetura da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Paulo Chiesa.
Dos desenhos de Burle Marx sobre o Centro Cívico que repousam nas gavetas do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), pouco pode ser encontrado no Centro Cívico. Restam as calçadas da Praça Nossa Senhora de Salete e das duas secretarias, atrás do Palácio Iguaçu, e uma ou outra paisagem arbórea.
"A principal questão é em relação as árvores utilizadas. O Burle se notabilizou pelo uso de vegetação autóctone. Se você andar pelo Centro Cívico hoje vai ver pouco daquilo que ele tinha imaginado em paisagem de plantas e flores", conta a professora de Arquitetura da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Letícia Hardt.
"O piso até se conserva, mas sobrou muito pouco da vegetação", diz o arquiteto José Maria Gandolfi, ex-diretor do Departamento de Parques e Praças da Prefeitura de Curitiba na primeira gestão do prefeito Jaime Lerner, entre 1971 e 1974.
Além do Centro Cívico, pouco se encontra de Burle em Curitiba. Os canteiros do antigo IPE, atualmente sede da Paraná Previdência, também foram projetados por Burle. Os jardins do edifício Panorama, na esquina das ruas Ubaldino do Amaral e XV de Novembro, são exemplos de paisagismo residencial desenvolvido por Burle. "Mas esse jardim também passou por muitas mudanças e conserva quase nada do projeto original", lamenta Gandolfi.
Também aparecem como projetos de Burle Marx o edifício-sede do Ministério da Fazenda, na Avenida Marechal Floriano, e a sede da antiga Telepar, na Manoel Ribas. Tais projetos, no entanto, também se desvirtuaram do que foi proposto por Burle Marx.
Razões culturais
Para Letícia, uma das razões para a ínfima quantidade de projetos residenciais desenvolvidos por Burle Marx em Curitiba pode ser cultural. "A influência europeia no Sul levava as pessoas a fazerem seus próprios jardins. É diferente do que se via no Rio de Janeiro, onde essa figura do paisagista existe desde o Império", afirma.
Além do edifício Panorama, o livro Roberto Burle Marx e a Nova Visão cita somente mais uma obra do paisagista na cidade: a residência de Mathias Andrade. O projeto foi feito no início da década de 70 e não traz referência ao endereço.
Influência
Embora não possua um catálogo grande e conservado de obras em Curitiba, o trabalho de Burle Marx foi fundamental nas gerações de arquitetos e paisagistas atuantes na capital paranaense. "Ele foi fundamental porque ao valorizar as espécies nativas deu um novo rumo ao paisagismo, definindo parte do que viria a ser feito no Brasil e nas várias partes do país, cada um com sua própria cobertura vegetal", afirma Chiesa.
Gandolfi, que foi amigo pessoal de Burle Marx, lembra de uma visita do paisagista a Curitiba. "Estávamos andando pela antiga Praça Tiradentes, que era bem diferente dessa atual, era mais fechada, não dava pra cruzar de uma ponta a outra. O Burle viu uma elevação só com grama e disse que grama tinha de estar no nível do solo e que a elevação tinha de ter uma outra cobertura vegetal, mais nobre. Era uma observação simples, mas os gênios percebem as coisas simples."
Na mesma ocasião, lembra Gandolfi, o paisagista mostrou interesse de conhecer Guaraqueçaba. "Fomos com ele pra lá. Ele ia e parava no meio da caminho, entrava no mato e vinha com uma planta que achava bonita", diz. Ele só mostrou irritação quando viu uma plantação de pinus em uma área de mata atlântica. "Era uma época em que o discurso do meio ambiente não tinha a força que tem hoje. Uma plantação de pinus era relacionado ao progresso. O Burle achou aquilo uma besteira e chegou a dizer isso em uma palestra que fez no Teatro Guaíra."
Segundo Gandolfi, a influência de Burle Marx ajudou Curitiba a constituir seu projeto de parques públicos. "Percebemos que devíamos ir aonde havia mata, aonde havia áreas. Foi o que fizemos no Barigüi, até hoje o maior espaço público da cidade. Antes era um banhado. Limpamos, mudamos, mas mantivemos a cobertura vegetal original."




