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Em um certo tom de desamparo existencial, Carlos Drummond de Andrade dizia que muitos livros são escritos para evitar espaços vazios na estante. Auto de fé às avessas revestido de espírito anedotário, Drummond, de certo modo, preconizou o fenômeno que o intelectual mexicano Gabriel Zaid define como crescimento aritmético de leitores diante da produção exponencial de livros – meios de publicação mais acessíveis, formação de leitores continuamente deficitária.

Contudo, apesar das carências todas, se escrevem livros. E bons, como da estreante Priscila Merizzio. Seu livro de estreia, Minimoabismo, editado pela Patuá, do gaúcho-paulista Eduardo Lacerda, proprietário de um dos mais atraentes selos do mercado editorial contemporâneo, aborda temas largamente difundidos em verso e prosa, como o sexo, a tristeza, o caos urbano e a solidão, por uma ótica singular, digna até. TrajetoColetânea de 26 poemas fincados no cotidiano da cidade, nas agruras do corpo e de suas limitações, Minimoabismo traz uma linha segura, apesar da autora afirmar que se "aventura" na poesia há menos de um ano, o que remonta a perigos de todos os tipos – a velha aura romanesca do artista das letras que junta os primeiros textos finalizados e deságua no editor. Não. A curitibana, de apenas 29 anos, que não foge de algumas notas místicas, passa ao largo do amadorismo.

"Antes de tudo, a Priscila é uma excelente leitora de poesia. Ela consegue transportar isso para sua criação, sem emulação. É um lirismo sincero, promissor, de uma força incomum", afirma Lacerda, que veio pela primeira vez à Curitiba, no lançamento realizado no Bar Dom Corleone no último sábado, 8.

Nesta coleção de alamedas e afetos, os destaques ficam por conta do poema "UTI", dedicada à avó da autora, que morreu recentemente, "[...] minhas mãos pequenas e morenas / acariciam o amor remando ao abismo" e do longo e altissonante "psicótica Perséfone!", "[...] o rapaz louro de olhos claros surge no umbral / mastiga uma planta carnívora / Perséfone sorri / — chegou atrasado para o ménage, benzinho", onde Priscila parece mais à vontade em suas reminiscências intelectuais e vertigens eróticas.

Entretanto, é evidente o preço pago por um livro jovem de concepção e de vozes múltiplas: em alguns momentos, as escolhas estéticas mais arriscadas denotam uma certa irregularidade, quase natural: muitos poetas perdem mesmo, ao longo de sua trajetória, o livre amor ao erro. Um livro, em suma, surpreendente até no que tem de confuso e incerto. GGG1/2

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