
Como o Brasil, quando o assunto é cinema, parece ter se tornado nos últimos anos o país da comédia, gênero que tem levado milhões às salas de exibição, é uma tentação colocar, na pressa, Cine Holliúdy nesse mesmo pacote.
O filme de Halder Gomes, fenômeno de bilheteria sem precedentes no Ceará e há quase um mês em cartaz em Curitiba, é, contudo, bem mais do que mera repetição de uma fórmula já testada e aprovada. Talvez seja até mesmo uma espécie de antítese (ou seria antídoto?) para essa produção atual, com forte influência da televisão e quase desprovida de qualquer ambição estética.
Há algo de muito original, ousado até, por trás da aparente simplicidade de Cine Holliúdy. O longa parece ser (e, em muitos momentos, é) descendente direto da tradição de um humor ingênuo, porém afiado e de intensa comunicação com o público, presente sobretudo nos filmes "caipiras" produzidos, escritos e, muitas vezes, dirigidos por Amácio Mazzaropi (1912-1981). Mas o filme de Gomes também é um exercício metalinguístico, embora não seja esse seu intento fundamental, o que o torna até mais interessante. Fala sobre a importância de um cinema que se perdeu, prestando-lhe homenagem e defendendo a tese de que ainda há, sim, espaço para ele.
Na trama, Francisgleydsson, um homem simples, vivido com desenvoltura pelo ator Edmilson Filho, sonha em montar um cinema numa cidadezinha do interior cearense durante os anos 1970, quando o público deixava de prestigiar os filmes na tela grande para aderir em massa ao potencial hipnotizador da televisão.
O protagonista e sua família lutam para manter viva a sétima arte com suas películas e seu projetor já capenga, em busca de cidades que ainda não foram invadidas pelo temido televisor. É uma cruzada quixotesca que, em meio à comicidade da trama, exala uma certa poesia.
Há em Cine Holliúdy um quê de Cinema Paradiso, filme do diretor italiano Giuseppe Tornatore, um melodrama assumido e irresistível que se tornou um clássico afetivo justamente por falar de um tempo perdido, em que o cinema reinava absoluto.
Um dos aspectos que mais chama a atenção no longa de Gomes, e que foi corresponsável pela enorme empatia gerada pelo filme no seu estado de origem, foram os diálogos, muito engraçados, falados em "cearencês". Toda essa regionalidade, no entanto, não o torna cifrado, impedindo o longa de se comunicar com outras plateias. Pelo contrário: é um charme a mais. GGG1/2



