
Em ano anterior à Copa do Mundo, a 33.ª Mostra Internacional de Cinema São Paulo começa hoje sob o signo do futebol. O longa de estreia, que abre o evento para convidados, traz a assinatura de um dos últimos o último? grandes remanescentes do cinema de esquerda no mundo, o inglês Ken Loach. Não é o primeiro tributo do artista à arte do futebol. Em seu episódio para A Cada Um Seu Cinema, Loach já filmara aquele pai e aquele filho que, indecisos diante das ofertas de um cinema multitelas, preferiam correr ao estádio e ver seu time jogar. Agora, com À Procura de Eric, Loach e seu roteirista, Paul Laverty, voltam ao gramado para metaforizar vida e cinema.
À Procura de Eric conta a história deste Eric Bishop, sujeito cuja vida está uma confusão. No auge da descrença pessoal, o carteiro abandonado pela mulher recebe a visita de seu anjo da guarda e ele é ninguém menos do que Eric Cantona, o astro francês do futebol.
Num mundo competitivo a economia de mercado privilegia a individualidade , um Eric vem mostrar ao outro o valor da solidariedade. O grupo é mais importante, e no retângulo do gramado, os mais belos gols de Cantona são aqueles resultantes de passes que ele coloca aos pés dos colegas de equipe. Será um bom, um belo começo para a Mostra, que chega à idade de Cristo não mais como o único evento do gênero no país.
O Festival do Rio, um mês antes, tem o mesmo perfil uma grande mostra internacional de filmes, trazendo as novas tendências do cinema mundial para o cinéfilo brasileiro. São centenas de filmes, mais da metade chega agora aqui de segunda mão, já estreados no país, e muitos críticos acham que não há curadoria nisso.
Filmes, filmes, filmes serão exatamente 424, em 25 locais de exibição, até dia 5. Já virou lugar comum referir-se à Mostra como uma maratona, que é, bem entendido, uma modalidade esportiva (e olímpica).
Para continuar no esporte, o futebol estará de volta à Mostra e logo de cara, no primeiro dia para o público (amanhã, 23). Só que, em vez da celebração da experiência coletiva, o outro grande filme futebolístico nasce do encontro de individualidades exacerbadas é bom ir logo dizendo, de dois megalomaníacos. Maradona pode não ser o maior jogador do mundo quem, no Brasil, vai avalizar que o seja? , mas ele acha que é e seus tietes também, porque o reverenciam como a um santo. Emir Kusturica usa o mito do maior jogador do mundo para falar de si, como o maior diretor do mundo, king of the world.
Por falar em grandes diretores, a 33.ª Mostra traz os novos filmes que você está morrendo de vontade de ver. O novo Pedro Almodóvar (Abraços Partidos), o novo Alain Resnais (Les Herbes Folles), o novo Michael Haneke (A Fita Branca). Como sempre, esses filmes são os primeiros a se esgotar, em termos de ingressos vendidos antecipadamente, mas isso é pura ejaculação precoce dos cinéfilos, porque todos terão distribuição assegurada no Brasil e vão estrear em seguida. Por isso, talvez seja melhor privilegiar as apostas, os filmes talvez menos conhecidos, mas de alta qualidade.
Existe até a mais arriscada das apostas se você tivesse de escolher um, e apenas um destes mais de 400 filmes para ver, qual seria? E existem as homenagens ao diretor grego Theo Angelopoulos, que a Mostra revelou no país e agora contempla com retrospectiva.
Fanny Ardant, derradeira musa de Truffaut e que estreia na direção com Cinzas e Sangue. O filme é decepcionante, mas Fanny, que desembarca aqui sob os auspícios do ano da França no Brasil, é uma personalidade suficientemente forte para virar, quem sabe, a musa da própria Mostra de 2009.
E há o italiano Gian Vittorio Baldi, quase desconhecido por aqui, mas que, além de ator de Renato Castellani em No Limiar da Realidade (Il Sogno nel Cassetto), de 1956 fazia o médico , virou documentarista de obras críticas e engajadas. Preparado? Vai ser dada a largada. Corra para a Mostra.



