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Cartaz do filme, disponível apenas para celulares | /Divulgação
Cartaz do filme, disponível apenas para celulares| Foto: /Divulgação

O lançamento de um novo filme por um estúdio geralmente não é notícia, especialmente em uma era em que as pessoas se afundam em seus sofás nas sextas-feiras à noite em busca de um novo filme ou programa de televisão que seja um tesouro escondido no Netflix, no Hulu ou, sim, até mesmo nas salas de cinema. Mas, no último fim de semana, Indigenous Media silenciosamente lançou “Sickhouse”, um filme em um lugar no qual você provavelmente nunca pensou em procurar por um: no aplicativo de mídia social Snapchat.

Para esclarecer, o filme também terá um lançamento seminormal. Na última quarta-feira, o estúdio anunciou – por meio de uma postagem no Facebook, naturalmente – que o filme estará disponível a partir de primeiro de junho no serviço de vídeos online Vimeo e já pode ser adquirido em pré-venda por 5,99 dólares. Mas esse é mais um exemplo de um estúdio tentando algo novo em um mercado que está cada vez mais saturado de filmes.

A cocriadora Andrea Russett chamou a produção de “um filme de horror ao vivo no Snapchat”. Como ela explica em um vídeo no YouTube, o filme foi “upado” no Snapchat em tempo real ao longo de cinco dias. Segue a história de um grupo de amigos que adentram uma floresta e descobrem algo... malévolo. É uma trama bem convencional, mas uma que gira ao redor das mídias sociais – que são também a plataforma por meio da qual o filme foi distribuído.

O filme leva ao próximo nível o estilo “gravação encontrada” de cinema de horror, no qual um filme é apresentado como se fosse um conjunto de gravações (ou, neste caso, “snaps”) caseiras “encontradas”, criado em 1999 por “A Bruxa de Blair”

Dessa maneira, o filme leva ao próximo nível o estilo “gravação encontrada” de cinema de horror, no qual um filme é apresentado como se fosse um conjunto de gravações (ou, neste caso, “snaps”) caseiras “encontradas”, criado em 1999 por “A Bruxa de Blair”.

É claro que, dada a natureza do Snapchat, espectadores provavelmente perderam boa parte do filme. Não ajudou o fato de que Indigenous Media, “um estúdio da próxima geração voltado à produção de conteúdos originais para plataformas tradicionais e emergentes”, o promoveu muito pouco – se é o que fez. Mas essa era provavelmente a ideia – deixar que crescesse por conta própria, à semelhança do Radiohead apagando sua presença na internet para promover um álbum que pode ou não existir ou Beyoncé disponibilizando “Lemonade” em uma pacata noite de sábado.

“Todos perdemos algumas partes do filme”, disse Andrea. “Será possível ver tudo que esteve no Snapchat e ainda mais na versão em longa-metragem”, a qual estará disponível no Vimeo.

Como o trailer afirma, o filme foi especificamente “feito para o celular”. Em nenhum momento uma sala de cinema, ou mesmo um aparelho de televisão, é levado em consideração.

Mudanças no financiamento e distribuição de filmes têm agitado Hollywood há algum tempo, conforme cineastas e criadores de programas de televisão – tanto profissionais quanto amadores – encontram maneiras cada vez mais baratas e inovadoras de financiar, gravar e lançar seus projetos.

Em 2013, por exemplo, o site do canal de noticias de negócios CNBC publicou um artigo intitulado “Como o ‘equity crowdfunding’ pode virar o financiamento de filmes de cabeça para baixo”. (“Equity crowdfunding” é uma espécie de financiamento colaborativo não baseado em doações, mas em investimento.) Alerta de spoiler: não virou, ainda que alguns filmes tenham certamente sido feitos por meio de crowdfunding. O exemplo mais famoso é “Lições em Família”, o segundo filme a ser dirigido pela estrela de “Scrubs” Zach Braff (o primeiro foi “Hora de Voltar”). Ele financiou parte do filme por meio do Kickstarter, levantando mais de 2,6 milhões de dólares (ainda que tenha recebido reações negativas por ser um multimilionário pedindo dinheiro para financiar seu projeto, especialmente depois que o estúdio independente Worldview Entertainment decidiu financiar a maior parte do valor restante, de acordo com a revista Hollywood Reporter). Os direitos do filme nos Estados Unidos foram comprados depois pela Focus Features por 2,7 milhões de dólares, relatou a revista Variety.

Enquanto alguns afirmam que Hollywood deveria se adaptar, os números sugerem que os modelos antigos para a criação, divulgação e distribuição de filmes ainda estão funcionando. Até que não estejam, é provável que os estúdios não mudem o status quo

Talvez a forma mais surpreendente de ruptura tenha aparecido no Festival de Cinema de Sundance do ano passado na forma de “Tangerine”.

O tema do filme é progressista o suficiente para ter chegado às manchetes – é essencialmente um filme sobre amizade que segue a história de duas prostitutas transexuais enquanto elas tentam descobrir se o namorado cafetão de Sin-Dee, uma delas, a traiu. Mas, à parte o tema, o filme rendeu manchetes foi uma razão diferente: o direto Sean Baker o filmou inteiramente em um iPhone 5s. Sim, o iPhone anterior àquele que a maioria das pessoas usa agora. E estreou em Sundance, depois do que foi comprado pela distribuidora de filmes independentes Magnolia, relatou o site de notícias Indiewire.

Enquanto tanto o projeto do Kickstater de Braff quanto o modo de filmagem de “Tangerine” possam parecer jogadas de marketing, eles insinuam algo maior: no mundo de hoje, qualquer um pode fazer um filme.

Outros exemplos abundam – o canal de TV a cabo americano Spike “terceirizou” a redação do roteiro para o piloto de um programa de TV por meio de uma competição online. Amazon Studios cria “filmes de teste” e pede que seus usuários sugiram quais deveriam ser transformados em longas-metragens. A companhia no passado permitiu que usuários votassem em pilotos para a televisão, e prometeu produzir os programas que atraíssem mais atenção, relatou o Chicago Tribune.

O célebre comediante Louis C. K. recentemente financiou completamente ele próprio “Horace and Pete”, seu novo programa de televisão, na esperança de encontrar um comprador mais tarde. Normalmente, uma rede de TV encomenda certo número de episódios antes de eles serem gravados. Ao invés disso, Louis se encontrou afundado em dívidas depois de terminar o programa, reportou a revista Atlantic. (Ainda que, em um podcast recente com Bill Simmons, Louis afirma ver o programa como um investimento. Ele é proprietário dos episódios de saída, e sente-se confiante de que pode vendê-los a uma rede de TV no futuro).

Diversos programas de televisão populares começaram como webséries – que podem não custar nada, se o criador usa o YouTube ou algo semelhante para distribuição – para só depois serem pescadas e financiadas por diferentes redes de TV

Diversos programas de televisão populares começaram como webséries – que podem não custar nada, se o criador usa o YouTube ou algo semelhante para distribuição – para só depois serem pescadas e financiadas por diferentes redes de TV. Entre essas está o popular programa do Comedy Central “Broad City”, que o Washington Post sugeriu que possa ser o “futuro da comédia”.

Apesar de tudo isso, a indústria do cinema ainda está indo bem. Em quase todos os anos das últimas duas décadas, o valor que os recordistas de bilheteria de cada ano têm arrecadado tem aumentado constantemente. E um relatório disponibilizado pela Associação Americana de Estúdios de Cinema em 2014 mostra que as bilheterias globais estão em ascensão. Ano passado, as bilheterias domésticas atingiram o valor recorde de 11 bilhões de dólares em faturamento, relatou o site de notícias Deadline.

Enquanto alguns afirmam que Hollywood deveria se adaptar, os números sugerem que os modelos antigos para a criação, divulgação e distribuição de filmes ainda estão funcionando. Até que não estejam, é provável que os estúdios não mudem o status quo.

Os estúdios menores e cineastas independentes, contudo, podem continuar a deixar surpresas nos nossos smartphones.

SICKHOUSE -- The Made for Mobile Movie from Indigenous Media on Vimeo.

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