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Jornalismo

Clarice Lispector repórter

Coletânea reúne a trajetória multifacetada da escritora na imprensa brasileira, desde os primeiros contos até as célebres entrevistas

Textos de ficção da escritora começaram a ser gerados na imprensa, como a sua receita caseira para matar baratas | Fotos: Divulgação/ Editora Rocco
Textos de ficção da escritora começaram a ser gerados na imprensa, como a sua receita caseira para matar baratas (Foto: Fotos: Divulgação/ Editora Rocco)
Clarice: estilo único também no jornalismo |

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Clarice: estilo único também no jornalismo

Livro: Clarice na Cabeceira – Jornalismo. Organização de Aparecida Maria Nunes. Rocco, 240 págs. R$ 30 |

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Livro: Clarice na Cabeceira – Jornalismo. Organização de Aparecida Maria Nunes. Rocco, 240 págs. R$ 30

Clarice Lispector (1920-1977), nascida na pequena Tchetchelnik, na Ucrânia, e que chegou ao Brasil ainda bebê de colo, marcou a história da literatura nacional. A escritora, que completaria 92 anos amanhã, iniciou a sua brilhante trajetória na imprensa. Nos jornais e revistas, fez de tudo: por volta dos 20 anos de idade, atuou em reportagem e só não escreveu coluna social e política. Ao mesmo tempo, a ainda estudante de Direito começou a publicar os primeiros contos e, logo depois, seguiu com o colunismo feminino, com as crônicas e entrevistas. Textos até então inéditos e outras produções fundamentais estão reunidas em Clarice na Cabeceira – Jornalismo, lançada pela editora Rocco, coletânea organizada pela doutora em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora de Clarice por quase 30 anos, Aparecida Maria Nunes.

O livro permite que o leitor tenha contato com a carreira multifacetada na imprensa, que durou de 1940 a 1977, mesmo quando a escritora acompanhava o marido, o diplomata Maury Gurgel Valente no exterior (ela se separou em 1959 e fixou residência no Rio de Janeiro), e mandava os textos por carta (o envelope era aguardado ansiosamente nas redações). O material selecionado por Aparecida procurou também privilegiar materiais que considera emblemáticos, como uma crônica sobre o bandido Mineirinho e os primeiros contos, "Triunfo" e "Eu e Jimmy" (para as revistas Pan e Vamos Ler!, respectivamente).

Clarice trabalhou muito na imprensa, algo realizado simultaneamente com a literatura. A rotina puxada,

aliás, é descrita deliciosamente em alguns textos, principalmente nas entrevistas: quando conversou com o também escritor e cronista Carlinhos Oliveira (entrevista publicada na Manchete, em 5 de outubro de 1968), ele resolveu, no dia seguinte, dar outro depoimento. Clarice diz: "mas não pude aceitar porque se eu fizer duas entrevistas com cada entrevistado o tempo não rende."

O capítulo das conversas (Tom Jobim e Nelson Rodrigues são alguns dos entrevistados) relembra a peculiaridade com a qual Clarice entrevista, sendo quando se expõe, dizendo ao personagem que está "gripada e triste", ou quando faz as três perguntas clássicas (Qual a coisa mais importante do mundo? Qual a coisa mais importante para a pessoa como indivíduo? E o que é amor?). "Gosto muito de perceber a forma como ela conversa com o entrevistado", diz a organizadora do livro. "Em algumas entrevistas, nota-se que Clarice não realiza o tal diálogo possível: ela conversa com ela mesma", salienta.

Influência

Textos jornalísticos de Clarice Lispector foram embriões para sua ficção, entre eles, uma receita caseira para matar baratas (publicados no tabloide Comício, com o pseudônimo de Tereza Quadros, e no Diário da Noite, como Ilka Soares). O segredo consistia em misturar açúcar, farinha e gesso "em partes iguais", o que seria uma "iguaria" para as baratas, que amanheceriam mortas e duras no chão. "Na verdade, é ficcional e nada tem a ver com o método de eliminar baratas. Essa receita adquiriu formatos variados ao longo de sua ficção. A história permanece no imaginário da escritora, sendo aperfeiçoada até encontrar a forma definitiva em A Quinta História", esclarece Aparecida.

Valorização

A convite de Paulo Francis, Clarice começou a publicar em 1959 na revista Senhor, o que ajudou a projetar o seu nome além do círculo intelectual, acredita Aparecida. "Foi um divisor de águas, em minha opinião, na vida literária de Clarice. Porque a partir da publicação de contos, que, mais tarde, fariam parte do livro Laços de Família, a escritora passou a ser conhecida por um público heterogêneo e maior. Clarice foi popularizada." Para a pesquisadora, a escritora vem sendo lida por um público cada vez maior e é valorizada, principalmente por conta de homenagens como a Hora de Clarice (leia mais no quadro acima). "Mesmo assim acredito que Clarice deva ser mais lida. Há muitas frases que circulam na internet atribuídas, erroneamente, a ela. Então, não sei se, de fato, se esses internautas leem Clarice ou apenas reproduzem frases de efeito. Por isso, imagino que a repercussão da obra dela deva ser ampliada, pois existe um público leitor cativo e fiel ao legado da ficcionista e da jornalista."

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