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TEATRO

Codinome Samuel

Montagem reúne peças de Beckett e criações baseadas no universo do dramaturgo irlandês

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Em abril do ano passado, Samuel Beckett completou cem anos de nascimento. Pouco antes, em 2005, o grupo curitibano Processo deu início a uma pesquisa extensa sobre a obra do escritor e dramaturgo irlandês. Diante de pouquíssimas traduções e montagens locais de sua obra, foi preciso ir mais fundo e buscar os textos no original, em inglês e francês – Beckett fazia questão de escrever em francês e, assim, renunciar ao controle e à facilidade da língua-mãe.

Como resultado, o grupo realizou um seminário sobre o autor, em parceria com o Centro Federal de Educação Tecnológica – CEFET, em dezembro passado, que culminou na produção do espetáculo Samuel, em cartaz a partir de hoje, no Espaço Cultural Falec.

"É uma homenagem a Beckett", declara o diretor Adriano Esturilho. A montagem reúne cinco peças curtas, três do autor (Ato Sem Palavra I, Ato Sem Palavras II e Fragmento Radiofônico I) e duas criações do grupo a partir do universo beckettiano (Ato Sem Palavras III e Fragmento Internético).

O autor irlandês considerava a escrita um "pecado contra o silêncio". Para ele, era impossível explicar o mundo. E, no entanto, não se importava em parecer contraditório ao continuar escrevendo. Um de seus motes era: "Não posso prosseguir, vou prosseguir". Esturilho explica que Becket explorou até o limite os diversos suportes para se manifestar artisticamente. "Ele começou pela literatura, passou pelo teatro e depois fez peças para o rádio e a televisão", conta.

Uma de suas experiências radiofônicas poderá ser ouvida pelo público durante a montagem. São as "palavras sem imagens", que Beckett fazia questão de preservar como tal, sem adaptá-las para os palcos ou para a televisão. "Ele sugeria que o público deveria exercitar outros sentidos, por isso, seria incoerente adaptar um meio auditivo para o visual", diz Esturilho.

Os personagens da gravação são um senhor que conserta rádios (o ator Hugo Mengarelli), uma enfermeira (a atriz Simon Slompo) e o próprio rádio – a metalinguagem é outra característica constante na obra de Beckett.

O diretor de Samuel também explora "imagens sem palavras" nos Atos Sem Palavras I, II e III, em que os atores Hermison Nogueira e Andrew Knoll revezam-se no palco, vestidos com máscaras (como a caixa de papelão da foto) e utilizando unicamente a mímica, sons vocais e percussão corporal. "É um teatro físico", diz o diretor.

Os textos de Beckett foram ficando mais curtos e diretos no fim de sua vida – ele morreu em 1989. "Não são mais personagens, mas arquétipos. A máscara é uma forma de despersonificação, de animalização". Para representar a impossibilidade de dar sentido ao mundo, ele foi "limpando" as histórias de detalhes e do ambiente social, de modo a romper com a forma, com o realismo tradicional.

O despojamento foi tanto que Esturilho não teve dificuldades em transferir dois personagens beckettianos para os tempos de hoje: o diálogo entre eles acontece via MSN. Em contraponto ao primitivismo que perpassa o espetáculo, o diretor inclui discussões contemporâneas relacionadas às novas tecnologias e à globalização. "Se Beckett estivesse vivo, certamente estaria fuçando na Internet para fazer teatro", opina.

Após a temporada no Espaço Cultural Falec, o grupo Processo pretende continuar a pesquisa sobre as linguagens radiofônicas beckettianas levando audições a espaços alternativos como cafés e bares.

Serviço: Samuel. Espaço Cultural Falec (R. Mateus Leme, 990), (41) 3352-2685. Direção de Adriano Esturilho. Com Hermison Nogueira, Andrew Knoll, Hugo Mengarelli e Simon Slompo. De quarta a sábado, às 20h30, e domingo, às 19h30. R$ 10, R$ 5 (estudantes, classe artística, idosos e bônus) e R$ 2 (na quarta). Até 11 de março.

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