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 | Ricardo Humberto/Especial para a Gazeta do Povo
| Foto: Ricardo Humberto/Especial para a Gazeta do Povo

Dia desses, coisas do Facebook, uma pessoa, do meio do nada, me chamou ali naquele trequinho de trocar mensagens e me perguntou, na lata, se eu era ateu.

Acuma?

Mas, ok, respondi. Não me incomodo de responder. Não acho problemático eu ser ateu. Assim como não acho problemático alguém não ser. Já passei dessa fase tem tempo.

Até porque a ideia da religiosidade me interessa muito. Já me interessou como tentativa de “solução” pessoal, e hoje me interessa como tentativa de compreensão. Dos outros e, por que não, de mim.

O escritor David Foster Wallace já dizia que não era pra gente se deixar enganar. Que mesmo “sem Deus” todo mundo adora em algum templo. É só questão de descobrir qual é o seu.

Kant, por exemplo, tinha toda uma noção de sublime (matemático, dinâmico) que a bem da verdade guarda não poucas semelhanças com as relações que as pessoas podem ter com o “divino”.

Talvez o melhor livro pra quem quer entender esse impulso religioso e o que ele representa seja As variedades da experiência religiosa, de William James (Billy Jim, pros íntimos, ehehehe). James, além de ser um mega-mago dos títulos (Carl Sagan, quase um século depois, copiou este inteirinho pro seu As variedades da experiência científica), foi irmão do escritor Henry James, pai do Pragmatismo filosófico americano e fundador da psicologia moderna. Além de ter cunhado o termo fluxo de consciência, que meio que mudou a crítica literária no século 20.

Mole?

Nesse livro (que, sério, eu recomendo pra qualquer um), ele de saída tem uma ideia bacanona: investigar o impulso religioso apenas a partir dos casos extremos. O princípio dele é que investigando os extremos eu posso entender a média. Mas nunca o contrário. Ele quer os santos loucos, os inspirados, os ascetas, os alucinados e/ou visionários.

O livro todo é incrível (recentemente foi escolhido o segundo maior livro de não-ficção do século 20). Mas eu vou te deixar aqui só com a lista que ele vai examinando (minuciosa e deliciosamente) quando fala da experiência mística. E ele pensa aqui em misticismo no sentido estrito. Ou seja, a possibilidade de que o devoto/fiel tenha um contato DIRETO com a divindade.

Veja lá

1.A experiência é inefável: ou seja, ela nunca poderá ser posteriormente descrita em palavras.

2.Ela tem uma qualidade noética: parece transmitir conhecimento, saber, sabedoria.

3.Ela é passageira, não pode ser sustentada longamente.

4.É passiva: você pode tentar facilitar seu surgimento, mas ele sempre vai te pegar de surpresa, como algo que te é DADO.

Deu pra sacar?

Ele está falando de gente em êxtase religioso. Mas se você quiser trocar a deidade ali por um trio de Brahms, será que a descrição não continua valendo?

E se você trocar o trio de Brahms pelo olhar da tua mulher?

Ou pela risada da tua filha?

E o próprio Billy sabia desse contínuo.

Quer ver?

Ele mesmo afirma que “o dado mais rudimentar da experiência mística pode muito bem ser aquela profunda sensação da relevância de uma máxima ou um ditado que de vez em quando nos toma: ‘eu ouvi isso a vida toda’, nós exclamamos, ‘mas nunca tinha percebido o quanto era verdade’.”

A verdade, dizia uma famosa série de ficção científica, “está lá fora”.

Mas o fato é que pode ser simplista a gente pensar que esse “lá fora” se refere necessariamente a galáxias distantes e mundos paralelos, superiores, sobrenaturais.

A verdade, às vezes, está logo ali do lado.

E quando a gente percebe, nesses momentos fugazes e surpreendentes, a gente deixa de ser ateu, mesmo que continue sem deus.

E a gente entende………?

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