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 | Ricardo Humberto/Especial para a Gazeta do Povo
| Foto: Ricardo Humberto/Especial para a Gazeta do Povo

Estava eu aqui revisando uma tradução que a minha filha fez, de um texto que eu queria usar em sala de aula mas não ia ter tempo de traduzir. (Gracias, Beatriz.)

É pra uma disciplina sobre o grande David Foster Wallace, e é talvez o melhor texto assim de apresentação geral da vida, da obra, e das preocupações do cara.

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Numa das várias citações que o autor (D. T. Max, que depois ia escrever a biografia do Wallace) acaba fazendo de antigas entrevistas, ele menciona a ideia que o Wallace tinha a respeito da nossa obsessão por entretenimento. Que de repente a nossa busca permanente por diversão vinha só, mesmo, da nossa necessidade de ocupar, com barulhos diferentes, os nossos ouvidinhos maltratados. Como se a gente fosse um paciente com tinitus (sabe aquele povo que fica ouvindo um apito permanente?), que fica tão desesperado com a constância daquele ruído que só quer abafar o ruído com outros, mais fortes.

Tem muito músico por aí que estourou as oiças no palco e agora só dorme com a TV ligada, pra esquecer o zunido interno…

Só que o tinitus da nossa vida, aquele que metaforicamente a gente tentaria abafar com entretenimento, na leitura do Wallace era desespero. Era o sem-sentido, a dor de estar profundamente sozinho.

E essa dor grita sem parar.

E a gente fica, nem tão metaforicamente assim, acordado com a TV ligada, torcendo pra um barulho ser maior que o outro.

Eu adoro o Wallace. E esse texto do Max é tão na-veia, tão certeiro como leitura, que é quase uma covardia dar pros alunos. Essa sensação era mesmo uma constante pra ele. E é, sim, uma das coisas que respondem pelo vigor da obra que ele escreveu.

Eu, que leio Wallace sem parar tem mais de uma década, que traduzi coisas que ele escreveu, que escrevi sobre ele e dei aula sobre ele, acho importantão. A ideia me toca mesmo. Pacas.

Mas, sabe uma coisa?, pra mim não serve.

E era isso que eu queria te dizer aqui hoje.

Que eu, aos 41, quase 42, posso ter chegado à conclusão de que eu sou fundamentalmente alegre.

Bobo.

Bobo alegre.

Mas o fato é que, cada vez mais, o meu ruído de fundo (aquele…), que eu tento apagar com atividades (e ele continua sendo um estorvo… a gente nunca pode se entregar e esse ruído, seja ele qual for), que o meu tinitus é feliz. E que quando eu me distraio e me deixo levar, eu sinto ele vir à tona.

E vir à tona como felicidade.

Como música.

Como umas ondas de amor pelas pessoas que eu amo. (Brega?)

A minha mulher, que me conhece melhor que ninguém, e que viu isso em mim bem antes, diz que eu tenho que considerar que essa minha bobice vem do fato de que realmente a minha vida tem sido bacana.

Claro que eu já levei as minhas pancadas. Perdi gente. Perdi coisas importantes. Me frustrei, me decepcionei comigo mesmo e com os outros.

Claro que eu tenho cicatrizes. Problemas. Incompetências. Insuficiências. Angústias.

Quem nunca?

Mas é… no geral eu tenho sorte.

E a Sandra deve estar certa.

Só que eu não consigo me livrar de uma dúvida tipo Tostines.

O que que causa o quê?

Será que a vida por acaso não me é leve porque eu sou bobo?

Ou seja…

Eu sou fresquinho porque vendo mais, ou vendo mais porque sou fresquinho?

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