CENA 1. O novato começa na empresa e um colega logo brinca que, pelo jeito, ele deve ser corintiano. Palmeirense, diz o outro. Mas ele ignora as brincadeiras e os outros se micham, ele passa a viver numa clareira de rejeição e indiferença dos colegas.
Podia ter respondido que gosta de futebol, mas não torce por time nenhum, ou mesmo que não gosta de futebol. Ganharia respeito, mas, deixando de responder às brincadeiras, que eram tentativas de comunicação e boas-vindas dos colegas, isolou-se, e sofrerá muitas consequências disso.
CENA 2. O professor pede atenção, muitos já tiraram notas baixas por causa de raiz quadrada, agora vão aprender raiz cúbica.
Mas, professor pergunta o engraçadinho da turma quando é que na vida a gente vai precisar saber raiz cúbica?
O professor não responde, começa a escrever no quadro. Mas um dos alunos estudiosos também pergunta por que afinal aprender raiz cúbica. O professor ignora a pergunta, e a partir daí o aluno estudioso deixa de estudar, o engraçadinho passa a liderar e a turma toda vai pegando ojeriza de toda a matemática.
Ele podia ter respondido que poucas profissões usam raiz quadrada ou cúbica na prática, mas são operações que permitem desenvolver e testar o raciocínio matemático. Podia ter dado exemplo de uso em situações profissionais. Ou podia ter dito simplesmente:
Na verdade, isso serve só pra testar os alunos, filtrar quem vai conseguir diploma ou passar no vestibular. Por isso, entendam essas danadas se quiserem ter futuro, mesmo que seja para esquecer depois! Raiz quadrada enche o saco e raiz cúbica torra a paciência, mas a vida é cheia de chatices e desafios, então vamos agradecer que podemos treinar já como superar tudo isso!
Qualquer resposta pode envolver e motivar, mas não dar resposta só afasta e desestimula. Um dia alguém apontará:
Aquele professor é mais chato que raiz quadrada.
Podia ser o contrário:
Aquele professor me ensinou a ser mais eu, cara, sabe como? Com raiz quadrada!
CENA 3. A filha diz que vai sair à noite, a mãe diz que não, a filha diz que é aniversário da melhor amiga, a mãe diz que de jeito nenhum, ela já saiu ontem e hoje é domingo, amanhã tem aula. A filha diz que volta antes da meia-noite, a mãe grita que não e pronto, não se fala mais nisso! Antes de bater a porta do quarto, a filha também grita:
Você quer que eu te odeie, né?
A mãe não responde, afinal ganhou a batalha, a filha está no quarto, pronto, amanhã terá esquecido. Mas a filha não esquecerá. O abismo de rancor e incompreensão crescerá entre as duas. Um dia a filha se vingará chegando bêbada em casa ao amanhecer, ou se drogando ou arranjando uma gravidez pra mãe virar avó e envelhecer de vez como toda megera...
A mãe podia ter respondido que a filha não devia sair no domingo porque, mesmo voltando antes da meia-noite, dormirá cansada e acordará cansada para a escola. Que tem dó de acordar a filha ainda com sono de manhã. Que a festa podia ter sido no sábado. Que as festas passam mas o futuro sempre chega. Só não podia deixar sem resposta o ódio, e ainda deveria dizer que proíbe a noitada no domingo porque ama a filha. Com um gesto de carinho, a costura do abismo do rancor.
CENA 4. O novo funcionário leva à diretoria uma sugestão tão ingênua que dá vontade de rir. Mas ninguém ri, dizem que vão estudar com carinho. E engavetam. E nunca mais falam do assunto. Um dia, ele cobra por escrito, fica sem resposta. Enquanto isso, vai amadurecendo, vê que seu plano era ingênuo, mas faz outro, bem melhor, que também não ganha resposta. Perde o entusiasmo pela empresa, trocado por uma surda amargura.
Um dia, comparece a uma entrevista em outra empresa, fala de seu velho plano, agora muito reformado e renovado, e ganha um novo emprego, melhor e mais valorizado porque, dizem, ele tem idéias. Na velha empresa, espantam-se, quem diria, sem perceber que era previsível: talento sem resposta nos dá as costas.
E quem não responde e-mail, no mundo do teletrabalho, deixa de existir, está cavando um fosse de ressentimento em redor do computador. A pior resposta é não dar resposta.
