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Minha mãe e meu pai separaram-se quando eu tinha 7 anos, e só voltaram a viver juntos sete anos depois. Mas aqueles sete anos de separação deles foram meu grande tempo de encontro com primos e tios e avós; Deus é grande quando a gente ajuda, e a fa­­­­­­­­­­­­­­­­mília nos ajudou.

Fomos morar em três cidades seguidas, mas as férias escolares e a Páscoa eu passava na casa dos nonos, em Londrina, com aquela primaiada brincando o dia inteiro até cair de sono nas camas, quando a nona ainda ouvia sua radionovela no começo da noite. Pedir a bênção para os nonos, antes de dormir, era o mais gostoso dos deveres.

Numa Páscoa, a grande novidade era que tio Raul tinha coelhos de chocolate! Ovos de chocolate a gente já conhecia, mas coelhos! Ele anunciou:

– Vou esconder um destes coelhos para cada um de vocês, e vamos ver se o Coelho da Páscoa é inteligente. Se for, vai deixar os ovos dele junto com os coelhos de chocolate, certo?

Ficamos excitadíssimos, demoramos a dormir no quartão onde em várias camas dormiam vários primos; naquela noite nem guerreamos travesseiros, só falando do Coelho. Amanhecendo, pulamos das camas e fomos de pijamas vasculhar a casa, olhando atrás das portas, debaixo dos móveis, e não é que o Coelho tinha deixado cada ovo junto de cada coelhinho de chocolate? Ficamos muito admirados e tio Raul explicou:

– O Coelho é tão esperto que engana até eu! Fiquei acordado, esperando para ver ele chegar, e acabei dormindo...

Tantas décadas depois, fico com as filhas planejando onde es­­­conder coelhos e ovos para os netos, e uma delas pergunta se isso será tão marcante para eles.

– Aos 3 anos, eles já mexem em computador, será que vão se interessar pelo Coelho?

Digo que não sei, mas desconfio que, se aquele rapaz, que baleou tantas crianças, tivesse procurado ovos de páscoa quando criança, não teria feito o que fez. Porque, quando a gente procura os ovos, o que acha é família, afeto, o sentimento de contar com gente que nos quer e nos dá desde fantasia até segurança e amor.

E é preciso lembrar às crianças e a todos que a Páscoa não é só a festa do Coelho, é a celebração do renascimento de Jesus, conforme a Nona:

– Quando a gente se une e se ajuda, e tolera e irmana, Jesus renasce. Quando a gente briga, ambiciona, inveja, intriga, Jesus morre, todo dia. A Páscoa é pra gente pensar nisso.

Naquela Páscoa quando achamos os coelhos e os ovos, o priminho menor não se conformava:

– Mas o Coelho, cadê o Coelho?

Ele não queria apenas achar o coelhinho de chocolate, queria ver o Coelho, e só se conformou quando a Nona explicou:

– Ele não pode voltar aqui, tem de entregar ovos pras crianças do mundo inteiro!

A explicação convenceu porque ela apelou para o maior dos sentimentos, o de sermos e nos sentirmos humanos, pertencentes a uma mesma e imensa família.

Vou alimentar meu Coelho até a última de minhas páscoas, es­­condendo ovos nos cantinhos e nas gavetas, e abraçando e beijando os netos felizes de achar amor em forma de chocolate. E espero que, quando eles forem avós, continuem com esse rito, sempre ensinando onde é a toca do Coelho:

– O Coelho mora em você. A toca do coelho é no coração da gente.

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